(20201000-PT) Exame Informática 304

(NONE2021) #1
/ TENDÊNCIAS

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NEURALINK.


UMA BREVE HISTÓRIA


DE PROMESSAS


A startup criada por Elon Musk apresentou um chip cerebral
funcional e já recebeu aprovação como dispositivo médico
de investigação avançada. As possibilidades revolucionárias
são muitas, mas o caminho será pleno de escrutínio

Tex t o Rui da Rocha Ferreira Fotos D.R.

E


ra uma vez três porquinhos...
Na história original, cada um
dos animais construiu uma
casa a partir de um único ma-
terial (um escolheu palha, outro madeira
e outro tijolos), mas numa versão real e
ultramordena desta fábula, apresentada
por Elon Musk no final de agosto, o que
distinguia os porquinhos era outro ele-
mento: Gertrude tinha um chip ligado
ao cérebro; Dorothy já teve um implante
semelhante, que foi depois removido; e
Joyce não tinha qualquer implante. Nesta
nova ‘versão’ não há um lobo mau, mas
sim o objetivo de mostrar que apesar de
diferentes, os três porquinhos portaram-
-se da mesma maneira e até os que foram
‘chipados’ estavam saudáveis. Sempre
que o nariz de Gertrude tocava no chão,
à procura de alimento, a atividade ce-
rebral disparava e o chip convertia essa
informação em sinais sonoros e visuais.
Esta foi a primeira demonstração pública
do chip cerebral desenvolvido pela star-
tup Neuralink, cofundada pelo multi-

milionário sul-africano mais conhecido
por ser líder da SpaceX e da Tesla. E Elon
Musk tinha mais do que uma demons-
tração para fazer, tinha o próprio gadget
para mostrar: um pequeno módulo, do
tamanho de uma moeda, com finíssi-
mos elétrodos pendurados. O nome?
The Link (a ligação, em tradução livre).
O formato do chip cerebral surge como a
grande novidade da apresentação, já que
‘ouvir’ o cérebro de animais, através de
um método conhecido como eletroence-
falografia, ou registo da atividade elétrica
do cérebro, é relativamente comum e há
muito que é feito por outras empresas e
laboratórios de investigação.

À PROCURA DO CÉREBRO 4.0
O The Link é, por agora, uma prova
de conceito tecnológico. Mas o grande
objetivo da empresa é construir uma
interface cérebro-máquina (ICM), com
alta largura de banda, para a troca de um
grande volume de informação. O plano
é, primeiro, desenvolver ICM que pos-

sa tratar doenças e limitações cerebrais
como cegueira, surdez, paralisia e falta
de memória, e mais tarde usar esta base
para construir uma versão de consumo


  • o milionário não esconde a vontade de
    criar um método para carregar infor-
    mação de origem digital para o cérebro,
    quase como atualmente se faz o upload
    de um ficheiro para a cloud.
    Musk garante ainda que o chip ficará
    completamente em linha com o crânio
    do utilizador, pelo que não existirão sa-
    liências notórias. Durante o evento, e de
    forma discreta, Elon Musk colocou uma
    cartada forte na mesa a seu favor – a
    Administração de Alimentos e Medica-
    mentos (FDA na sigla em inglês) dos EUA
    já validou o The Link como um disposi-
    tivo médico de investigação avançada,
    um primeiro sinal positivo às ambições
    da startup. Mas a grande barreira ainda
    está para ser ultrapassada: criar tecno-
    logia que possa ser usada num cérebro
    humano, criar tecnologia eficaz na eli-
    minação de problemas de saúde e ter as
    autorizaçãoes das entidades reguladoras
    para fazer tudo isto.
    A corrida à digitalização do cérebro
    não é de agora, mas o ímpeto está reno-
    vado: também Mark Zuckerberg, através
    da Facebook, está a investir centenas de
    milhões de euros para criar uma tecno-
    logia que permita escrever através do
    pensamento. Mas em vez de abrir um
    buraco no crânio, tal como Musk quer
    fazer, Zuckerberg aposta numa opção
    não invasiva, através da utilização de um
    capacete com elétrodos. Ficção cientí-
    fica? Sim, já foi – agora é apenas uma
    questão de tempo e dinheiro.


O The Link tem um diâmetro
de 23 milímetros e oito milímetros
de espessura. É ainda composto
por 1024 elétrodos que deverão
ser colocados diretamente no
cérebro por um robô-cirurgião

A Neuranlink, criada em 2016,
apresenta-se como uma empresa de
engenharia focada no desenvolvimento de
interfaces cérebro-máquina de alta largura
de banda. Elon Musk é o rosto da empresa,
mas existem mais oito cofundadores
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