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(Antfer) #1

Juizes e generais


Banco Central do Brasil

Folha de S. Paulo/Nacional - Opinião
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: Marcas André Melo


Em nossa história republicana era comum referir-se ao
STF como "esse desconhecido"; conhecidos eram
apenas os generais, ou até os tenentes. Paulatinamente
as coisas se inverteram: conhecemos os ministros da
corte, mas recentemente passamos a nomear quem é
quem nas Forças Armadas.


Jacques Lambert, no clássico "Os Dois Brasis" (1957)
argumenta que generais e juízes cumprem funções de
arbitragem política; os magistrados nas democracias, os
militares nos regimes autoritários. Ele referia-se às
intervenções militares até 1955; não previu um regime
militar.


No livro faz instigante comparação com os EUA, cuja
história constitucional havia analisado, antes de aportar
no Brasil em 1939, em um compêndio em três volumes.
Em uma seção de "Os Dois Brasis" intitulda "O Governo
dos Juizes e o Governo dos Generais", argumentava
que a arbitragem judicial nas democracias pode ser
conflituosa e partidarizada, mas é estável. E vir junto
com certo ativismo: "Em nome da legalidade


constitucional e mesmo da superlegalidade, um governo
de juizes nos EUA interditara ao legislador intervenções
que lhe pareciam injustas e às vezes mesmo suprira a
inação do legislador. Na questão da segregação escolar
nem ao menos se deram ao trabalho de baseá-la em
justificativas de ordem jurídica ou constitucional."

Mas Lambert acrescenta que o governo dos juizes tem
a vantagem de que os que o exercem não dispõem de
força. Ele pode ser "meio durável de governo, porque no
interior dos tribunais imiscuídos na política, a lei da
maioria permite suprimir os conflitos". Mesmo quando
fazem intervenções específicas "os juizes tiveram que
tomar partido em todas as grandes questões que
dividiam a opinião, tendo a corte admitido uma direita e
uma esquerda".

A diversidade de opinião não oferecia grandes perigos:
"se surgiam conflitos entre o juiz McReynolds e o juiz
Cardozo, eles não se manifestavam senão pela forma
de argumentos jurídico-sociológicos entre os
adversários".

Mas, quando os generais intervém a fim de exercer
arbitragem política, "dificilmente se pode evitar que as
lutas de partido e as lutas ideológicas se transponham
para o exército". E pior: seu monopólio sobre os meios
de violência leva à escalada do conflito.

Nas democracias a Suprema Corte detém o monopólio
da arbitragem política. No Brasil de Lambert, ela
cumpria um papel subalterno ; hoje é marcada pelo
hiperprotagonismo. Sofre brutal sobrecarga; ao contrário
da americana é corte criminal em um quadro em que a
impunidade começa a ser rompida e o rol de réus é
vasto. E enfrenta cotidianamente um executivo
autoritário. Sim, o leviatã judicial protege a democracia
mas assusta os cidadãos.

Assuntos e Palavras-Chave: Cenário Político-
Econômico - Colunistas
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