Clipping Banco Central (2021-02-22)

(Antfer) #1

Quando as aparências enganam


Banco Central do Brasil

Correio Braziliense/Nacional - Opinião
segunda-feira, 22 de fevereiro de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: ANDRÉ MORAES NICOLAMédico, pesquisador e
professor da Faculdade de Medicina, Universidade de
Bras


"Eu tive covid-19, usei cloroquina e melhorei. Esse
remédio realmente funciona. Vai me dizer que foi só
coincidência?" Aposto que você, leitor deste texto,
também já ouviu ou até mesmo falou isso ao longo
dessa pandemia. Até mesmo de colegas médicos
afirmaram categoricamente que o "tratamento precoce"
com esses remédios do "kit covid", como cloroquina,
ivermectina ou nitazoxanida, funciona com base em sua
prática tratando centenas de pessoas. O que a
experiência dessas pessoas nos no permite concluir
sobre o tratamento de pessoas infectadas com o
coronavírus? Praticamente nada!


Essa é uma daquelas coisas meio insanas da medicina,
uma ciência cheia de coisas que, à primeira vista,
parecem estranhas. Lembre-se de que a maioria das
pessoas infectadas com o coronavírus Sars-CoV-2 não
desenvolve doença, e a maioria daqueles que a
desenvolvem não morre. Isso ocorre porque nosso
sistema imunitário lida com a infecção de forma


supereficiente. Se uma pessoa com covid-19 toma um
remédio para a doença, será que ela melhorou "por
causa " do remédio ou "apesar" do remédio, uma vez
que ela se curaria espontaneamente? Se um médico
prescreve esse remédio para 100 pessoas e todos
melhoram da covid-19, será que a melhora foi
consequência do uso do remédio ou será que todas
essas pessoas teriam se curado sozinhas sem remédio
algum?

Ao longo dos séculos, profissionais de saúde e
cientistas aperfeiçoaram uma ferramenta que consegue
responder a essas perguntas: o "ensaio clínico duplo-
cego, controlado e randomizado". O estudo é
controlado, o que significa que alguns participantes
voluntários recebem o remédio cuja eficácia se quer
testar (grupo tratado), enquanto outros não recebem o
remédio (grupo controle). Se, ao final do estudo, o
número de pessoas que ficou doente ou morreu no
grupo controle for significativamente maior do que no
grupo tratado, o remédio funciona. Caso não haja
diferença entre os grupos, o remédio é ineficaz.

Além disso, o ensaio clínico pode ser duplo-cego.
Quando os voluntários estão cegos, não sabem se o
comprimido que estão tomando é o remédio ou se é
uma substância inócua como farinha. Isso diminui o
chamado efeito placebo, que faz pessoas se sentirem
melhor porque elas acreditam no remédio ou faz
pessoas que duvidam da eficácia do remédio deixarem
de relatar uma melhora. Quando os pesquisadores
estão cegos, eles também não sabem se cada um dos
voluntários recebeu comprimidos de remédio ou farinha.
Isso impede que eles avaliem de forma diferente as
pessoas dos grupos tratado e controle, uma vez que
cientistas também são humanos e têm medo da covid-
19 e esperança de achar uma cura. O cegamento dos
pesquisadores também impede que eles avaliem os
pacientes de forma diferente por motivos escusos, por
interesses financeiros ou políticos no uso do remédio.

Por fim, para esclarecer se um remédio funciona ou não
é crucial que o ensaio clínico seja randomizado. Imagine
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