49que na altura tinha mudado da Física para a Astronomia.
Estávamos a construir equipamentos para observar na gama
dos infravermelhos. Não conseguíamos observar o centro da
Via Láctea por causa da poeira e uma forma de o fazer é pre-
cisamente recorrendo aos infravermelhos. O centro da galáxia
seria o objetivo óbvio de estudo e foi assim que começamos.
Quando vim para o Max Planck, em Munique, este tema e a
evolução de galáxias tornou-se na nossa prioridade.
O desenvolvimento da tecnologia foi essencial para que
esta descoberta pudesse ser feita. Que outras áreas aguar-
dam pelo desenvolvimento de tecnologia para que possam
avançar?
Um campo próximo, que me parece o mais entusiasmante, é
o das ondas gravitacionais. Pode haver quem diga “Ah, isto é
Einstein, não é nada de novo”, mas a maior parte dos físicos
sabe que a Teoria de Einstein não pode ser a última palavra.
Deve haver uma adenda e esta é a teoria da gravidade quântica,
um assunto que interessa a muitos físicos. Para este estudo,
os buracos negros e o Big Bang são as localizações no espaço-
-tempo para se fazer esta pesquisa, para se estudar esta nova
física. Para este fim, os aceleradores não servem. A Astronomia
está a tornar-se num ponto central da Física fundamental.
É extraordinário verificar que nos últimos anos tivemos seis
prémios Nobel da Física nesta área. O que antes não acontecia.
Por exemplo, o Edwin Hubble, da expansão do Universo, nunca
o recebeu. Na altura não era sequer considerado Física (risos).
Hoje a astronomia já tem pouco do romantismo da obser-
vação noturna das estrelas. Ainda sente fascínio pela com-
ponente filosófica?
Bem, acho que é um bocado como os médicos, não têm sempre
em mente que estão a salvar vidas ou a trazer bebés ao mundo.
É o que fazemos. Eu, por exemplo, não estou preocupado com
o que existe dentro do horizonte de eventos [a fronteira do
buraco negro], com a singularidade.D
epois de 45 minutos de palestra e de mais de meia
hora a responder a perguntas “muito boas” de alu-
nos do secundário de escolas portugueses, o Nobel
da Física de 2020, Reinhard Genzel, mantém o
entusiasmo, e o bom humor, na entrevista com a Exame In-
formática. Uma conversa com um olho no passado, outro no
futuro, e muitos neurónios pelo meio.
Em Portugal os cursos de Física atraem os melhores alu-
nos do país. Como interpreta isso? Como era na Alemanha
quando escolheu esta área?
Quando comecei a estudar Física esta estava no topo as prio-
ridades das pessoas porque a Alemanha sempre teve uma
grande tradição. Nos últimos anos a Biologia e as neurociências
começaram a despertar mais interesse.
Mas depois acabou por seguir uma área mais lateral.
A Astronomia é algo muito diferente. Quando comecei, segui
por esta área, que não era muito reconhecida. Além disso,
obviamente, o clima na Alemanha não é nada favorável a
observações óticas. A radioastronomia era a forma de ultra-
passar o problema. Hoje em dia ultrapassamo-lo trabalhando
em grandes organizações internacionais, como o ESO, que é
central e que nos permite ter tempo de observação em locais
como o Chile. Mas a astronomia é muito atrativa e, tenho muito
gosto em dizê-lo, sobretudo para as mulheres. Alegra-me que
o interesse pela Física em Portugal seja grande.
E como reagiram os seus colegas quando decidiu estudar
buracos negros? Hoje em dia toda a gente sabe o que são,
mas há 50 anos não eram um tema quente.
Cheguei aos buracos negros por um desvio, pela instrumen-
tação. Aliás, boa parte das técnicas que estamos a usar atual-
mente com o Gravity, no VLT, estão relacionadas com o que
aprendi naquela altura em radioastronomia. O meu ponto de
partida foi o estudo da formação das estrelas até que me juntei
ao laboratório de um laureado com o Nobel, Charles Townes,ALÉM
DE EINSTEIN
De ciência marginal a área da moda, com vários prémios Nobel
nos últimos anos, a astronomia tem vindo a ganhar fama e
reconhecimento desde que Genzel a escolheu como carreira.
E o mais surpreendente pode ainda estar para virTex t o Sara Sá Fotos D.R.REINHARD GENZEL