(PT-20210127) Exame Informatica

(NONE2021) #1
50

Ou seja, não pensa nisso à noite?
Não. O mesmo relativamente ao Big Bang. Podemos filosofar
sobre se terá sido um evento único, num único universo. Mas
o que podemos retirar daí? Não haverá grande progresso.
Quando recebeu o prémio Nobel comparou os buracos
negros a uma espécie de reguladores das galáxias. O que
quer dizer com isso?
Qual é a nossa ideia sobre a forma como as galáxias se formam?
Inicialmente, após o Big Bang, tudo estava a arrefecer, a partir
de uma temperatura muito elevada, até que o Hidrogénio co-
meçou a formar-se, e aí começaram a formar-se as primeiras
estruturas, de matéria normal. Para se formarem as estrelas,
foram necessárias estruturas mais frias, mas isso demorou a
acontecer. E agora sabemos que não havia material suficiente,
mesmo com o Big Bang, para levar à formação de galáxias. Este
é um dos pilares do que chamamos matéria negra. Suspeitamos
e até temos evidência neste sentido de que há uma outra forma
de matéria, visível apenas pela gravidade, que na altura em que
se formou o Hidrogénio já estava agregada pelo que o gás de
hidrogénio podia cair nestes agregados, começando a formar
estruturas. E depois demorou apenas algumas centenas de
milhões de anos para que se formassem as primeiras galáxias
pequenas. E provavelmente, depois de se formarem as primeiras
galáxias, apareceram os buracos negros. Como se formaram
exatamente e a sua dimensão não sabemos atualmente.
Porquê?
Não conseguimos recuar tanto no tempo. Mas seremos capazes
de o fazer ao longo das próximas duas décadas, com a nova
geração de telescópios: o James Webb, no espaço, e o European
Extremely Large Telescope, no solo, poderemos provavelmente
voltar para trás até esta fase inicial e ter mais certezas sobre o
que se passou nos três, dois milhões de anos após o Big Bang.
Nesta fase temos as galáxias a crescer constantemente, com
gás a ser incorporado e a duplicarem de massa tipicamente a
cada 200 milhões de anos. Parte deste gás, que ia entrando e
formando estrelas, também caía nos centros e foi assim que
se formaram os buracos negros. Que no início eram pequenos
e depois houve colisões entre galáxias, o que acelerou ainda
mais as coisas e a certa altura os buracos negros no centro
juntaram tanta matéria que começaram a deitar para fora gás
e radiação suficiente para alimentar de novo a galáxia. Numa
espécie de relação simbiótica. Temos quase a certeza, embora
não estejamos 100% certos, de que há um limite máximo para
a massa de uma galáxia, a partir do qual já não pode crescer
mais. Portanto, cresce rapidamente e depois abranda e depois
deixa de poder crescer porque o buraco negro no seu centro
trava-a, ao deixar de a alimentar. E depois a galáxia morre, é
o que hoje-em-dia chamamos de uma galáxia elíptica.
As experiências de Astronomia são incrivelmente caras.
Gravity, ALMA. Será possível manter este tipo de finan-


ciamento, sobretudo após a pandemia? Vê um conflito de
interesses na disputa por fundos?
Os EUA já tiveram um projeto de grande dimensão, o Super
Collider [acelerador de partículas que seria construído no
Texas], que teve de ser interrompido porque deixou de ser
consensual. Quando fazemos este tipo de investimentos, não
devemos deixá-los dependentes de ciclos políticos para as
tomadas de decisão de vida ou morte. É por isso que aprecio
a forma de gestão dos fundos na Europa. Há sempre uma
crise, sempre um país que não consegue pagar e assim a nível
europeu consegue-se garantir algum financiamento. Falou na
pandemia, é normal que haja alguma desaceleração, com as
atenções mais viradas para a Biologia, mas eu espero que ao
fim de algum tempo se volte ao normal.
Quando se começou a interessar por buracos negros e propôs
a existência de um no centro da galáxia, os seus pares acharam
uma ideia maluca. Faz sentido pensar que numa questão como
a da velocidade da luz, estabelecida como o limite absoluto,
também haja uma mudança ou é um dogma?
Não, não! Há uma experiência muito famosa, feita ainda antes de
o Einstein trabalhar na sua teoria da relatividade especial, a expe-
riência de Morley, que o estabeleceu de forma muito definitiva.
Então nunca será possível atingir velocidades superiores
à da luz?
Bem, podemos fazer tentativas. Houve alguma especulação nos
anos 20 do século passado acerca da velocidade de comunica-
ção da gravidade. Para Newton as forças eram transmitidas de
forma instantânea. Mas através de um trabalho extraordinário,
a experiência das ondas gravitacionais, mostrou-se que o gra-
vitão se desloca à velocidade da luz. É esta a evidência, não é
um dogma. É o que mostra a experimentação.
E noutros campos, o que pode vir a ser estudado como
resultado da evolução da tecnologia e que venha a ser
totalmente disruptivo?
Vivemos em quatro dimensões, ou três mais o tempo, e en-
tendemos isto muito bem. Mas a forma matemática mais
elegante para a Teoria da Relatividade Geral é a onze dimen-
sões e a questão é: onde estão as outras sete? Por isso tem
havido muita especulação sobre a existência destas outras
dimensões. E há algumas previsões que decorrem daí. Se isto
fosse verdade então manifestar-se-ia em desvios nas leis da
Física. Podemos verificá-lo e é algo que será feito, sem dúvida.
A questão do Big Bang poderá ser resolvida com a ideia de que
o eletromagnetismo, a força fraca e a força forte acontecem
a três mais uma dimensões e a gravidade a onze. E o que
temos são mundos em sub-camadas e quando estas chocam
acontece um Big Bang a três mais uma dimensões. Estão a ser
elaboradas teorias sobre isso e embora ainda não se tenham
feito experiências, há pessoas a olhar para este assunto. Mas
isto já é avançar muito (risos). „

Astrofísico alemão, de 68 anos, recebeu
o Prémio Nobel da Física em 2020, pela
descoberta de um buraco negro gigantesco,
mesmo no centro da nossa galáxia. Para
assinalar os 40 anos do Departamento de
Física do Técnico, em dezembro passado,
deu uma palestra, remotamente, à qual
também assistiram alunos do secundário.

REINHARD GENZEL

Free download pdf