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/ PORTUGAL FAZ BEM
A MISTERIOSA
VIDA DO REGÓLITO
O projeto MiFire foi
pensado com o objetivo
de apurar o efeito de
forças eletrostáticas na
aglomeração de minerais
no Espaço. A experiência
vai aproveitar uma boleia
da Blue Origin no final
do ano
Tex t o Hugo Séneca Fotos Lucília Monteiro
O
que acontece a um punhado
de partículas de simulante
de rególito quando ninguém
está a ver? A questão não de-
verá demorar mais de cinco minutos a
responder, durante uma missão suborbi-
tal, a bordo do lançador reutilizável Blue
Shepard, da transportadora Blue Origin,
que está prevista para o final de 2020.
Sob orientação de Rui Moura, o primeiro
português com diploma de astronauta
suborbital, um grupo de alunos de mes-
trado das Universidades de Aveiro e Porto
vai aproveitar uma boleia da transporta-
dora espacial de Jeff Bezzos, que também
é líder da Amazon, para enviar para um
ambiente de microgravidade uma amos-
tra de materiais simulantes da poeira dos
mares lunares que poderá ajudar a revelar
os processos de formação de asteroides,
planetas ou cometas. O projeto dá pelo
nome de MiFire. A viagem está prevista
para o final do ano.
“Queremos conhecer as interações
electroestáticas entre partículas finas
através de um equivalente ao rególito
lunar, e ainda amostras de meteorito me-
tálico e amostras de basalto. O simulante
de rególito é composto por partículas
finas e nós queremos ver como é que as
forças eletroestáticas contribuem para
a adesão das diferentes amostras”, in-
forma Vítor Martins, aluno de mestrado
de Geologia na Faculdade de Ciências da
Universidade do Porto (FCUP).
O UNIVERSO EM 100 GRAMAS
O projeto MiFiRE garantiu o salvo con-
duto para uma missão espacial no New
Shepard, durante a competição “Student
Payload NanoLab Competition”, promo-
vida pelo programa MIT Portugal. A equi-
pa das Universidades de Aveiro e Porto
vai construir uma caixa de policarbonato
(10 cm x 10 cm x 20 cm) que deverá ter
no interior 100 gramas do simulante de
rególito JSC-1 juntamente com amostras
de meteorito metálico e basalto.
No interior da caixa, será instalado um
LED para iluminar amostras, bem como
uma câmara para filmar tudo o que se
passa dentro da caixa com a captação
de 30 fotogramas por segundo, e ainda
“alvos” que servem de referência visual
para comparar deslocações de partículas.
Também vai ser usado um aceleróme-
tro que deverá ativar a câmara quando
deteta a força da gravidade, durante os
movimentos de ascensão e regresso à
Terra. Todos os processos vão ser geridos
através de um Raspberry Pi. A caixa de-
verá estar preparada para forças máximas
de 9 G (nove vezes a gravidade da Terra)
e, por redundância, será equipada com
um saco em vácuo, que deverá impe-
dir que as amostras contaminem outras
experiências a bordo, caso o recipiente
fique danificado durante a viagem.
“Pretendemos filmar um fenómeno
que poucas vezes se viu. Como é que
as partículas minerais se comportam
enquanto flutuam em microgravidade?”,
explica Rui Moura.
O professor da Universidade do Porto
acredita que o estudo da aglomeração de
partículas deverá conhecer novos motivos
de interesse em breve. “Nos último tem-
pos, têm sido desenvolvidas missões como
a da Osíris Rex para o asteroide Bennu, ou
a da Hayabusa 2 para o asteroide Ryuku.
Nesses asteroides, já será possível encon-
trar partículas de diferentes dimensões.
Mas em qualquer dos casos, justifica-se
começar pelo efeito produzido pelas forças
eletrostáticas”, conclui.
A filmagem
da amostra de
simulante de
rególito vai ser
controlada por
um Raspberry Pi
Vítor Martins, Ivan Sá, Rui Moura,
Ana Caldeira, e Maria Cristina Marques:
a equipa de investigadores que criou
o MiFire para estudar a aglomeração
de partículas na microgravidade que
caracteriza o Espaço
CINCO MINUTOS
DE MISSÃO
O projeto MiFire deverá seguir
a bordo do lançador New Shepard,
numa viagem suborbital que ainda
não tem uma data “fechada”, mas
que se prevê que ocorra no final
de 2020. Durante esta missão,
o lançador deverá alcançar
os 110 quilómetros de altitude,
e providenciar um ambiente
de microgravidade durante
cerca de cinco minutos.