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/ TENDÊNCIAS
APANHADOS
NA REDE
Os vídeos manipulados com inteligência artificial estão a
fazer vítimas entre as figuras públicas portuguesas, como a
atriz Alba Baptista e o futebolista Cristiano Ronaldo. Até já há
registo de quem tenha preparado milhares de fotos do
Presidente da República para facilitar a criação de deepfakes
Texto Rui da Rocha Ferreira Fotos D.R.
D
esfrutem!”. Esta é a única pa-
lavra que acompanha a publi-
cação num fórum online de um
link que promete acesso a mais de 6300
fotografias “alinhadas” da cara do Pre-
sidente da República, Marcelo Rebelo de
Sousa. Se a partilha do número massivo
de fotos da mais alta figura do Estado
português de uma assentada já fosse por
si só motivo de atenção redobrada, este
caso ganha um contorno crítico – a pu-
blicação foi feita naquele que é um dos
mais conhecidos espaços de criação e
partilha de material para produção dos
chamados deepfakes.
As definições sobre o que é um deep-
fake variam de especialista para especia-
uma parte específica da cara, como os
lábios [explorámos o lado técnico dos
deepfakes em maior profundidade na
EI nº 293].
O link partilhado no fórum especiali-
zado em deepfakes já não está funcional,
motivo que não permitiu atestar os con-
teúdos quando tivemos conhecimento
da publicação. À Exame Informática, a
Mega, empresa responsável pelo servi-
ço de alojamento de conteúdo ao qual
o link pertence, confirma que esteve
disponível mais de um ano, entre julho
do ano passado e agosto deste ano, mas
sem revelar se teve downloads e, se sim,
quantos. Já no fórum de deepfakes, é
possível verificar que a publicação foi
acedida mais de 250 vezes.
Mas para Giorgio Patrini, diretor exe-
cutivo da Sensity AI, uma das mais proe-
minentes startups de monitorização de
deepfakes, os sinais são claros. “Tenho
quase a certeza de que essas [imagens]
foram usadas por um algoritmo para a
troca de cara”, diz à Exame Informática.
“Assim que tens estas coleções, do presi-
dente, de um ator público ou de alguém
que aparece nas notícias, depois de teres
duas destas coleções podes começar a
treinar um algoritmo para fazer uma
troca de cara num vídeo”, acrescenta.
O italiano, de 33 anos, já viu casos
semelhantes de partilhas de conjuntos
de fotografias de presidentes de outros
países e até de executivos de grandes
empresas. E mesmo que o Presidente de
Portugal possa não ter o mediatismo de
presidentes de países como os EUA, Rús-
“
lista, mas todos convergem numa ideia:
conteúdo multimédia que foi manipula-
do através de ferramentas de inteligência
artificial e para uma utilização maliciosa.
Os deepfakes tiram partido das cha-
madas redes generativas adversativas
(GAN no acrónimo em inglês), que in-
tegram duas redes neuronais no mesmo
sistema: uma que tenta gerar imagens
falsas (generativa) e outra que tenta de-
tetar imagens falsas (discriminativa).
Como funcionam uma contra a outra,
estão constantemente a melhorar-se,
o que resulta em imagens manipuladas
mais realistas. Depois, tanto é possível
usar a cara de uma pessoa no corpo de
outra, como é possível apenas manipular