Exame Informatica - Janeiro 2021

(NONE2021) #1
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/ TENDÊNCIAS

ONDE PARA


O AMOR


À CIÊNCIA?


A comunidade científica portuguesa uniu-se
em peso para lamentar a política de atribuição
de fundos do Ministério da Ciência e Tecnologia.
Aqui alguns dos excelentes que ficaram de fora
Tex t o Sara Sá Fotos D.R.

E


ra uma candidatura ganhadora.
Assim pensou a investigadora do
Instituto de Medicina Molecular
(IMM), Luísa Figueiredo, quando sub-
meteu o seu projeto ao último concurso
de financiamento da Fundação para a
Ciência e Tecnologia. O tema está muito
na moda, os resultados provisórios ga-
rantiram um convite para publicar na
Nature e pouco tempo antes um projeto
na mesma linha de investigação garantira
um financiamento de 500 mil euros da
Fundação La Caixa. Quando no início
de novembro saíram os resultados, a
deceção foi grande. “Sei que estamos a

Com um prémio da Fundação
La Caixa e um paper que despertou
o interesse da revista Nature,
Luísa Figueiredo estava à espera
de ter financiamento da FCT

particular do tripanossoma, causador
da doença do sono. Além do potencial
desta investigação para a prevenção e
cura desta infeção parasitária, de efeitos
devastadoras na África Sub-saariana,
as descobertas feitas pela sua equipa
podem ter aplicações muito mais vastas
na área das vacinas e dos medicamentos
com base no RNA – daí o fator ‘moda’.
As terapias com base nestas moléculas,
que funcionam como uma espécie de
agente de execução da informação con-
tida no ADN, estando na base do pro-
cesso de produção de proteínas no corpo
de todos os seres vivos, são uma das
mais promissoras e inovadoras linhas de
investigação da atualidade, ganhando
relevo com a recentemente aprovada
vacina contra a Covid da Moderna. O
que a equipa do IMM descobriu foi que
nestes organismos há um fragmento
no RNA que apresenta uma taxa de re-
petição muito grande de determinado
grupo de nucleótidos – as bases que se
juntam para formar a molécula – com
uma função estabilizadora. Também
perceberam que com pequenas altera-
ções era possível tornar a molécula de
RNA ainda mais estável. “Em situações
normais, o RNA não dura mais do que
trinta minutos dentro da célula”, avan-
ça. A partir deste tempo começa a ser
degradada pela maquinaria celular. Se
por um lado a fragilidade do RNA pode
ser uma vantagem, por não provocar
alterações definitivas, noutras situações
acaba por ser um obstáculo à eficácia
das terapias. “É por isso que as vacinas
com base no RNA necessitam de estar
guardadas em temperaturas tão baixas,
por ser muito instável”, explica Luísa
Figueiredo. “Qualquer terapia com base
em RNA pode vir a beneficiar das des-
cobertas que temos feito nesta área”,
explica. Daí a sua estranheza ao ver que
a candidatura a um financiamento de
200 mil euros para testar estas modifi-
cações em células de mamíferos tinha
sido recusada.
Apesar do ‘chumbo’, Luísa Figueiredo
admite trabalhar num “pequeno paraí-
so”, um centro de investigação criado
de novo, com o estatuto de laboratório
associado, o que potencia a autonomia.
Aliás, neste último concurso – o primei-
ro desde 2017 – a taxa de aprovação no
IMM foi de 15%, três vezes superior à

surfar uma boa onda. Não estava mesmo
nada à espera de ter tido o financiamento
recusado”, admite a cientista que dirige
o laboratório de Biologia dos Parasitas,
que em 2017 recebeu financiamento do
Conselho Europeu de Investigação (ERC)


  • as já famosas ‘bolsas milionárias’.
    Luísa rapidamente percebeu que es-
    tava acompanhada de quase 95% dos
    candidatos, cujos projetos foram recu-
    sados. Mesmo tendo muito boa classi-
    ficação nas avaliações ou trabalhando
    em áreas muito competitivas, como é
    o caso do seu grupo de trabalho que
    se dedica ao estudo de parasitas, em

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