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(Antfer) #1

Claudia Costin - Leituras e escolas


Banco Central do Brasil

Folha de S. Paulo/Nacional - Opinião
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Autor: Claudia Costin


Claudia Costin


Diretora do Centro de Excelência e Inovação em
Políticas Educacionais, da FGV. Escreve às sextas


Como muitos outros, tenho intensificado minhas leituras
durante este período de isolamento social em que
vivemos. Foquei inicialmente em temas que dialogavam
com a pandemia, naturalmente para além do que leio
dentro do meu campo de atuação profissional, mas o
tempo fez diversificar as obras, tanto em ficção como
em não ficção. E, curiosamente, deparo-me em quase
todos eles com relatos de escolas e aprendizagens de
crianças e jovens.


Li, há pouco tempo, "Meio Sol Amarelo", de
Chimamanda Ngozi, em que pude revisitar a guerra de
Biafra, um evento separatista na Nigéria, que me
marcou no final dos anos 1960 pelas tristes fotos de
crianças em situação de extrema subnutrição.


Nessa obra ficcional, inspirada nos relatos de seus


avós, a autora conta como, na impossibilidade de
funcionamento de escolas formais, a principal
personagem, Olanna, decide improvisar aulas ao ar livre
para que as crianças não deixassem de aprender. Uniu-
se a ela nesse contexto o jovem Ugwu, convertido em
professor numa idade pouco maior que a dos alunos. Ao
ler o livro, naturalmente pensei nos alunos brasileiros,
que viram agravar-se o quadro de profunda
desigualdade educacional devido ao isolamento
decorrente da Covid, e emocionou-me esse esforço
para não interromper a aprendizagem, mesmo que em
condições distantes das ideais.

Outra leitura minha neste período foi "Uma Terra
Prometida", livro de memórias da presidência de Barack
Obama. Ali também aparecia o relato impactante de
uma experiência de aprendizagem, na narrativa de Elie
Wiesel, que Obama acompanhou numa visita a
Auschwitz, sobre como, mesmo no campo de
extermínio, os adultos consideraram um dever dar aulas
aos adolescentes. Afinal, onde há educação há vida!
Mas foi no livro de um j ovem autor baiano, o Itamar
Vieira Júnior, "Torto Arado", que encontrei dois eventos
que se contrapunham: o empenho de Zeca Chapéu
Grande, o líder do jerê, religião afro-brasileira praticada
na Chapada Diamantina, analfabeto e sábio, pela
construção de uma escola na fazenda de Água Negra e
o abandono dos estudos por Belonísia, uma das fortes
personagens femininas do livro, pois a professora não
"sabia por que estávamos ali, nem de onde vieram
nossos pais, nem o que fazíamos".

O texto é ficcional, mas o abandono escolar é uma
realidade concreta de milhões de brasileiros. Afinal,
20% das pessoas de 14 a 29 anos no Brasil não
terminaram alguma das etapas da educação básica.
Isso no período anterior à pandemia. Para mudar esse
quadro, todos precisam se engajar na construção de
uma escola de qualidade que não deixe ninguém para
trás.

Assuntos e Palavras-Chave: Cenário Político-
Econômico - Colunistas
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