A moda de morrer
Banco Central do Brasil
Folha de S. Paulo/Nacional - Poder
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas
Clique aqui para abrir a imagem
Autor: Angela Alonso
A morte não olha carteirinha política, "a sua democracia
não distingue". O morticínio nacional, que tranca a
população em casa e suspendeu o Carnaval, ressoa o
registrado por Machado de Assis, 0111894. O artigo que
a Folha há pouco republicou mantém a causa secreta
porque todo mundo a conhecia. Rondavam os vivos não
só as epidemias, como a militarização da sociedade.
Temiam se tanto as febres (amarela, de tifo e varíola)
quanto os tiros. O país estava empe de guerra, guerra
fratricida.
Aconteciam duas revoltas contra o governo de Floriano
Peixoto, acusado de pouco amigo da Constituição. Sua
resposta saiu por bocas de canhões estatais e pistolas
particulares. Cidadãos organizaram "batalhões
patrióticos" que caçavam adversários pelas ruas
aporrete ou baioneta, guardando mais o presidente que
a pátria.
Isso faz mais de século, mas "a moda de morrer" a que
aludiu Machado voltou á toda. Além da pandemia
cancelando serpentina, o governo faz sua parte,
animado a distribuir pólvora. Como nos anos Floriano,
esforça-se mais em garantir o armamento de seus fiéis
que em atacar a crise sanitária. Raul Jungmann o
denunciou em carta ao STF: o "armamento da cidadania
para 'a defesa da liberdade' evoca o terrível flagelo da
guerra civil, e do massacre de brasileiros por brasileiros"
Quem alerta não é nenhum petista, mas o ministro da
Defesa de Temer.
O próprio governo se militariza, com profusão de
fardados em postos-chave -justificada pelas
capacidades logísticas tão evidenciadas na marcha da
Covid em Manaus. A ocupação militar da administração
gera ineficiências e cria animosidades entre políticos e
Exército. Tensões que espocam em conflitos miúdos,
vocacionados a se agigantar. Foi assim nos meses que
precederam os movimentos de resistência a Floriano,
com pequenos incidentes violentos em várias partes do
país.
Os tempos remetem aos de Machado igualmente
quando se olha o lado oposicionista. Os republicanos
avessos à militarização do Estado e os monarquistas
desgostosos com a República combateram o florianismo
em separado. Duas oposições, à esquerda e à direita.
Enquanto ficaram de muxoxo uma com a outra, o
presidente as venceu, uma década vez.
E o fez à força. Decretou estado de sítio, censurou a
imprensa, prendeu e desterrou dezenas ao ostracismo,
no exterior ou no Amazonas -para onde, como agora,
ninguém gostaria de ir. Seus seguidores alucinados
descarregavam armas e, na falta de munição, cortavam
cabeças de adversários. Os derrotados catarinenses
amargariam, além da carnificina, a renomeação de sua
capital (antes Desterro) em homenagem ao Marechal de
Ferro. O Mito atual também se enf atuaria se seus
sequazes rebatizassem a terra de Doria de
Bolsonarópolis.
Machado de Assis tratou essa violência política com
tintas contidas. Mas outros, como os bolsonaristas de
agora, embeberam apena em "ódio vivificante". Raul