Clipping Banco Central (2021-02-26)

(Antfer) #1

PEDRO DORIA - O trabalho de hoje, a política de ontem


Banco Central do Brasil

O Globo/Nacional - Opinião
sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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Na última sexta-feira, a Suprema Corte do Reino Unido
decidiu que o Uber deve tratar seus motoristas como
funcionários. Ou seja: direitos trabalhistas. A decisão
abrange Inglaterra, Escócia, Gales e Irlanda do Norte. E
é final, não cabe recurso. A Suprema Corte francesa já
havia tomado decisão semelhante, assim como a da
Espanha. Um processo do tipo está em curso no
Canadá e em diversos estados americanos.
Evidentemente que nova legislação pode reverter esse
curso - mas esta é uma das mais relevantes discussões
em curso no mundo atualmente. Uma discussão
ausente no Brasil.


Este é um dos grandes custos que o bolsonarismo
impõe ao Brasil. O país se perde em discussões
irrelevantes a cada crise vazia - e crise nova há, muitas
vezes parece, dia sim, dia não. O Brasil se perde,
também, em debates que nem sequer deveríam existir -
como o da defesa do meio ambiente, o do
armamentismo desenfreado ou, pasme, até o da
manutenção da democracia. Enquanto isso, lá fora, o
século 21 corre solto impondo suas transformações.


A questão no centro da decisão da Justiça britânica não


tem a ver com o Uber. Tem a ver com a reinvenção do
trabalho. Não é um debate simples.

O Uber argumenta aquilo que a maioria dos aplicativos
do tipo dizem. Ele oferece uma tecnologia que permite a
pequenos empreendedores que encontrem com mais
facilidade seus clientes. Une duas pontas. Isso é
verdade. Assim como é verdade que, diferentemente de
uma relação normal de trabalho, os motoristas
trabalham quando querem.

Os motoristas que foram à Justiça, porém, chamam
atenção para outros pontos. É o Uber que dita o preço
da corrida, é ele que coleta o dinheiro, pune motoristas
que recusam chamadas e impõe um sistema de notas,
que pode custar a quem dirige a expulsão da
plataforma. Um empreendedor, por meio de seu
engenho, tem oportunidades de crescer. O motorista
ganhará sempre o mesmo que os outros, e seu maior
esforço tem, na vida real, uma única premiação. Poder
continuar trabalhando. E não é pouco: em geral, esses
apps escravizam quem precisa manter uma renda
digna.

A Justiça britânica então decidiu que o Uber terá de
garantir um salário mínimo por hora trabalhada - e a
hora trabalhada vale quando o motorista liga o app. Dá
direito também a não trabalhar quando se está doente,
a férias e plano de previdência. O Uber responde que,
em momentos de ociosidade, quando há mais
motoristas do que passageiros, se verá obrigado a
impedir muitos de acessar a plataforma. Se não, o
negócio se tornará inviável.

A discussão é de uma complexidade imensa por muitos
motivos. O principal é o seguinte: os carros autônomos
já existem. Ainda antes de 2030, não haverá mais
motoristas. O mesmo vale para os apps de entrega e
tantos outros. O processo de automação de muitos
desses serviços apenas começou e está para ser
acelerado.

A lógica dos direitos trabalhistas que temos hoje
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