000.Poesia trovadoresca

(José Nuno Araújo) #1

Curso Profissional Técnico de Cozinha / Pastelaria
Poesia trovadoresca
Cantigas de amigo, amor, escárnio e maldizer
005 - Português, outubro 201^6
Cantigas de escárnio e maldizer
“Ai, dona fea, foste - vos queixar”
Ai, dona fea, foste-vos queixar
que vos nunca louv(o) em meu cantar;
mais ora quero fazer um cantar
em que vos loarei toda via;
e vedes como vos quero loar:
dona fea, velha e sandia!
Dona fea, se Deus mi pardon,
pois avedes (a) tan gran coraçon
que vos eu loe, en esta razon
vos quero já loar toda via;
e vedes qual será a loaçon:
dona fea, velha e sandia!
Dona fea, nunca vos eu loei
em meu trobar, pero muito trobei;
mais ora já um bom cantar farei,
em que vos loarei toda via;
e direi-vos como vos loarei:
dona fea velha e sandia!


Autor: João Garcia de Guilhade, natural de Barcelos, séc. XIII
Nacionalidade: Portuguesa
Música:
https://www.youtube.com/watch?v=f3FNVOAzwKA
Nota geral:
Uma das mais antologiadas cantigas dos Cancioneiros
medievais, paródia ao elogio cortês da senhora: já que uma dona
se queixa de nunca ter sido louvada pelo trovador, João Garcia
de Guilhade dispõe-se agora a fazê-lo - mas à sua maneira.

Roi Queimado morreu com amor
Roi Queimado morreu con amor
en seus cantares, par Sancta Maria,
por ũa dona que gran ben queria:
e, por se meter por mais trobador,
porque lhe ela non quis ben fazer,
feze-s'el en seus cantares morrer,
mais resurgiu depois ao tercer dia!
Esto fez el por ũa sa senhor
que quer gran ben, e mais vos en diria:
por que cuida que faz i maestria,
enos cantares que faz, á sabor
de morrer i e des i d'ar viver;
esto faz el que x'o pode fazer,
mais outr'omem per ren' nono faria.
E non á já de sa morte pavor,
senon sa morte mais la temeria,
mais sabe ben, per sa sabedoria,
que viverá, des quando morto for,
e faz-[s'] en seu cantar morte prender,
des i ar vive: vedes que poder
que lhi Deus deu, mais que non cuidaria.
E, se mi Deus a mim desse poder
qual oj'el á, pois morrer, de viver,
já mais morte nunca temeria.


Autor: Trovador ou jogral castelhano, natural de Burgos, séc. XIII
Nacionalidade: Espanhola.
Nota geral:
Dirigida ao trovador Rui Queimado, esta composição é uma das
mais célebres paródias aocliché da morte de amor, tão
repetidamente jurada nas cantigas de amor de todos os
trovadores galego-portugueses (Pero Garcia Burgalês não
sendo, aliás, exceção). A sátira que aqui desenvolve talvez
tivesse sido propiciada por uma particular cantiga de Rui
Queimado, na qual este trovador, por amor da sua senhor, lhe
diz que se arrepende da sua anterior decisão de querer morrer,
cantiga esta que tem, aliás, também ela, um tom semi-jocoso.
Note-se, entretanto, que esta paródia de Pero Garcia Burgalês
visa, ao mesmo tempo, e mais especificamente, os dotes
poéticos de Rui Queimado, cujo problema, para Pero Garcia,
seria querer "meter-se" a fazer aquilo que não sabe.
Exercício de expressão escrita:
Numa composição cuidada, comente a seguinte afirmação de
Natália Correia:
«Confrontados os dois campos, o lírico e o satírico, não restam
dúvidas de que a mordacidade e a ironia são os grandes
estímulos da imaginação trovadoresca.»
O professor, José Nuno Araújo
Free download pdf