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Correio Braziliense/Nacional - Opinião
sábado, 27 de fevereiro de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas
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Autor: JOSÉ HORTA MANZANOEmpresário e blogueiro
Certos indivíduos têm o dom de expor, com lucidez, os
males de sua época a ponto de incomodar os
poderosos. Foi o caso do barão de Montesquieu (1689-
1755), pensador francês cuja obra O Espírito das Leis,
tratado sociológico precursor da própria sociologia,
incomodou tanto que, apenas publicado, foi despachado
para o Index -- o catálogo dos livros proibidos.
Numa época em que regimes absolutistas eram a regra
ao redor do planeta, Montesquieu ousou expor sua
visão dos princípios básicos do despotismo. Segundo
ele, o regime republicano precisa da virtude, enquanto a
monarquia requer a honra. Já o governo despótico exige
o medo, dispensando a virtude, por desnecessária, e a
honra, por ser perigosa.
Nos anos 1930, dois séculos depois dessa análise
premonitória, metade das nações europeias estariam
dominadas por regimes autoritários. Duas delas
padeciam sob despotismo pesado: a Itália e a
Alemanha. O fascismo italiano e o nazismo alemão,
embora distintos entre si, compartiam pontos comuns a
todo governo despótico. A beligerância permanente; a
busca da desigualdade entre os cidadãos; a crença na
inutilidade da paz; a procura de um Estado forte apoiado
em ampla base popular conquistada por bem ou por
mal; o repúdio ao sufrágio universal, atitude vendida
como prevenção contra a fraude eleitoral; a exigência
de obediência absoluta; a convicção de que compete ao
Estado controlar e dominar a vida da população -- eis
alguns dos pontos comuns a ambas as doutrinas.
Dois anos de bolsonarismo fazem despontar entre nós o
espectro do mesmo mal que afligiu a Itália e a
Alemanha nos tempos sombrios. A beligerância
permanente vai-se firmando como marca do governo
atual, desde o primeiro dia, caracterizada por conduta
inabalavelmente hostil: parceiros estrangeiros são
tratados como inimigos e adversários internos são curto-
circuitados. A fixação de Bolsonaro com fraude eleitoral
veio à tona em diversas ocasiões, numa indicação de
que eleições incomodam o presidente, que optaria por
bani-las. Corte de quotas, redução de programas de
assistência e, principalmente, o quase-regozijo com o
apuro e o sofrimento de um povo imerso no drama da
atual pandemia mostram que a população é vista, não
como coletividade a proteger, mas como quantidade
estatística em que a individualidade não conta.
A anuência presidencial à bizarrice de certas categorias
de cidadãos receberem vacina antes dos demais, ainda
quando o patrocinador seja empresa privada, é sinal
inequívoco de crença nas virtudes da desigualdade
entre cidadãos. Vale o adágio: aos amigos do rei, tudo;
o resto é o resto. Para coroar, há um detalhe assaz
inquietante. Em mais de uma ocasião, Bolsonaro deixou
claro que, dependesse dele, o regime político brasileiro
seria outro. É impossível ser mais explícito.
Falta pouco para sabermos quais minorias serão alvo
da fúria de nossos trogloditas tupiniquins. Pretos e
pardos? Judeus? Pobres? Mulheres? Estrangeiros?
Velhos? Não héteros? Num país miscigenado, em que o
fichamento repousa na autodeclaração, é difícil invocar
razões étnicas. Judeus? Não estamos na Europa; o