National Geographic - Portugal - Edição 240 (2021-03)

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94 NATIONAL GEOGRAPHIC


Apesar das melhorias
necessárias na parte do
cultivo larvar, a sardinha
tem demonstrado aos
investigadores ser uma
espécie que se repro-
duz e desenvolve sau-
davelmente através do
consumo de ração de
aquicultura. As imagens
documentam a Estação-
-Piloto de Piscicultura
de Olhão, dirigida por
Pedro Pousão.

À tona da água, bóias amarelas garridas assina-
lam a sua localização. “Arreia!”, gritam os homens
de oleado e botins de borracha, enquanto atiram
cabos de uma embarcação para a outra. Ao puxar
a retenida, um cabo guia costurado no fundo
da rede fecha o engenho piscatório, formando a
bolsa que ditará a sentença para os seres marinhos
aprisionados.
Abaixo da superfície, o cenário é de guerra. O som
dos motores que me assalta os ouvidos e faz vibrar o
coração acompanha a explosão de alcatrazes que ras-
gam a coluna de água como torpedos. Aterrorizadas,
milhares de sardinhas disparam velozmente em todas
as direções, durante um abraço mortal cada vez mais
apertado. Em menos de uma hora a captura termina.
Rumo à lota de Sagres, os sorrisos, a boa disposi-
ção e três mil quilogramas de pescado iluminavam
o caminho. “Então, tinha razão ou não?”, pergunta
Fábio em tom de provocação amigável.
Alguns minutos mais tarde, de humor alterado,
o mestre revela a sua maior preocupação: a pressão
legislativa. “Ao preço reduzido a que se encontra a
sardinha, se o governo não aumentar a quota consi-
deravelmente, não sei até quando vamos aguentar.”
A histórica e estreita ligação económica que Portu-
gal tem com o mar e a crescente preocupação com a
saúde dos seus recursos pesqueiros levou a que o país,
em 1902, integrasse o Conselho Internacional para
a Exploração do Mar (ICES, na sigla internacional).
Trata-se de uma organização intergovernamental
de ciências marinhas com o objectivo de fomentar
o uso sustentável dos oceanos. No entanto, os dados
científicos reunidos nas últimas décadas demonstram
que Portugal tem vivido distante dessa meta, nomea-
damente no caso do stock ibero-atlântico de sardinha
partilhado com Espanha. Na realidade, as populações
desta espécie são caracterizadas por grandes variações
de abundância amplamente dependentes de factores
ambientais e, por isso, seria injusto afirmar que a pesca
é a grande razão por trás do seu declínio. No entanto,
o seu contributo também não é desdenhável.
De acordo com os dados do ICES fornecidos sobre-
tudo pelo IPMA, mas também pelos institutos de inves-
tigação espanhóis, a perda de biomassa em apenas
31 anos foi colossal. De uma população que, em 1984,
era constituía por cerca de um milhão e duzentas
mil toneladas, restavam apenas cento e treze mil em
2015: cerca de um décimo do que era há três décadas.
Associado aos valores mínimos atingidos ao longo
do tempo, registaram-se factores como o aumento do
esforço de pesca e a certificação precipitada por parte
do Conselho de Gestão Marinha (MSC) que rotulou a
sardinha portuguesa, capturada por pesca do cerco,


como um produto sustentável e uma óptima escolha
ambiental. Paralelamente, as campanhas de marketing
agressivo que elevaram a fama da sardinha não pou-
param um stock que se encontrava à beira do colapso.
Apesar dos esforços do governo português para
proteger este capital natural através da implemen-
tação de quotas e de períodos de defeso durante a
estação de reprodução e recrutamento, o declínio
não abrandou. Ciente disso e pressionado por uma
mediação mais preocupada da Comissão Europeia, o
governo português tomou em 2019 medidas drásticas
sem precedentes, limitando a quota da captura de
sardinha a nove mil toneladas.
A decisão foi fortemente contestada pelas comuni-
dades piscatória e indústria conserveira, que temiam
pelo seu futuro. No entanto, no mesmo ano, o stock
deu os primeiros sinais de recuperação.
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