National Geographic - Portugal - Edição 240 (2021-03)

(Antfer) #1
10 NATIONAL GEOGRAPHIC

Hoje sabemos que não existem enormes ci-
catrizes de engenharia ziguezagueando sobre a
superfície vermelha do planeta. O interesse hu-
mano por Marte é intemporal. Há milénios que
tentamos compreender Marte, associando-o às
nossas divindades, registando o seu movimento e
cartografando a sua face. Introduzimos Marte na
arte, na música, na literatura e no cinema. Tam-
bém lançámos mais de cinquenta engenhos até
Marte. Muitos deles falharam. E a nossa paranóia
por Marte ainda dura.
Quando me encontrei com Ed Murphy em Ou-
tubro, havia oito sondas a orbitar Marte ou veículos
a explorar a sua superfície poeirenta. Em Março de
2021, mais três emissários robóticos vão ao encon-
tro do Planeta Vermelho, onde um veículo de ex-
ploração espacial da NASA denominado Perseve-
rance, teve a recente missão de procurar sinais de
vida. Seguiram também duas outras missões po-
tencialmente históricas da China, com a sonda ro-
bótica Tianwen-1, e dos Emirados Árabes Unidos, a
EMM-Emirates Mars Mission, com a sonda Hope.
Mas porquê? De todos os mundos que conhece-
mos, Marte não é superlativo em aspecto algum.
Não é o mais brilhante, o mais próximo, o mais pe-
queno ou o de acesso mais fácil. Não é tão miste-
rioso como Vénus. Não se encontra tão espectacu-
larmente enfeitado como Júpiter ou Saturno, com
os seus anéis. Nem sequer é o sítio mais provável
para descobrirmos vida extraterrestre. Esse regis-
to pertence às luas de oceanos gelados existentes
no sistema solar exterior.
As razões científicas para Marte ser um alvo tão
cativante são complexas e crescentes, alimenta-
das por uma cornucópia de imagens e informa-
ções recolhidas por todas as sondas, módulos e
veículos de exploração espacial (rovers). Marte é
um eterno enigma, um local que estamos sempre
prestes a conhecer, mas não compreendemos de
verdade. “É um dos processos de descoberta mais
longos da história”, diz Kathryn Denning, antro-
póloga da Universidade de York especializada
nos elementos humanos da exploração espacial.
“É um gigantesco exercício de expectativa.”
A razão pela qual Marte penetrou na cultura po-
pular talvez seja incrivelmente simples: embora a
imagem que temos do planeta se tenha tornado
mais nítida com o tempo, conseguimos facilmen-
te imaginar-nos lá, a construir um novo lar para lá
dos confins da Terra. “É uma tela ainda suficien-
temente em branco”, diz a especialista.
Com um esboço desajeitado de Marte na mão,
penso nas décadas que passámos a perseguir ho-

Trepa por um escadote e instala-se na plata-
forma de observação, uma estrutura de madei-
ra construída em 1885, ajustando o telescópio
gigante na direcção do vistoso ponto de luz cor
de laranja. Mexe num manípulo, focando o pla-
neta. “Se esperar por aqueles instantes em que a
atmosfera acalma, verá Marte bastante nítido...
mas depois o planeta volta a ficar desfocado”,
diz, por detrás da sua máscara facial com dese-
nhos espaciais.
Trocamos de lugar. Visto através do telescópio,
Marte é uma esfera cor de pêssego que vai ga-
nhando e perdendo resolução. Com algumas he-
sitações, vou desenhando as suas características
indistintas e evocando os académicos do século
XIX que em tempos cartografaram as suas paisa-
gens, alguns acreditando que a superfície indicia-
va a presença de uma civilização avançada.

Deslizando nas
profundezas
Muitas das primeiras
missões em Marte
fracassaram. Em 1997,
a missão Pathfinder
conseguiu pousar com
sucesso o seu primeiro
veículo de exploração
espacial com rodas no
planeta: o Sojourner.
Este robot pioneiro
desempenhou um papel
secundário no filme
“O Marciano”, de 2015.

NASA / JPL

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