National Geographic - Portugal - Edição 240 (2021-03)

(Antfer) #1
OBCECADOS POR MARTE 11

menzinhos verdes, micróbios e colónias humanas
e na maneira como a febre por Marte regressou
após cada contratempo. Em simultâneo, conhe-
ço muitos cientistas prontos a conduzir os nossos
sonhos – e os nossos robots – para outros destinos
convidativos do Sistema Solar. Enquanto os cien-
tistas gerem recursos limitados e uma concorrên-
cia crescente, não consigo deixar de pensar se al-
gum dia perderemos o fascínio por Marte.

DESDE QUE AS CIVILIZAÇÕES olharam para cima
pela primeira vez, os seres humanos acompanham
Marte e documentam o seu percurso caprichoso
pelos céus. Ao verem esta “estrela errante” a cruzar
o céu, no terceiro milénio antes de Cristo, os sumé-
rios repararam na sua cor agoirenta e associaram-
-nos à divindade malevolente Nergal, deus da
pestilência e da guerra. O seu movimento e brilho
variáveis prenunciavam a morte de reis e cavalos
ou o destino de culturas agrícolas e das batalhas.
As culturas aborígenes também repararam na
sua cor, descrevendo-a como algo que fora quei-
mado em chamas ou associando-a a Kogolongo,
a catatua-negra-de-cauda-vermelha. Os maias
traçaram cuidadosamente a posição do objecto
em relação às estrelas, relacionando os seus mo-
vimentos com a mudança das estações terrestres.
Os gregos associaram-no a Ares, o seu deus da
guerra, que os romanos refundiram como Marte.
“Sempre houve apenas um planeta Marte, mas
houve muitos Martes culturais diferentes em
jogo”, diz Kathryn Denning.
Em meados do século XIX, os telescópios já ti-
nham transformado Marte de figura mitológica
em mundo. À medida que a sua imagem ganha-
va mais focagem, Marte tornou-se um planeta
com clima, terrenos inconstantes e calotas de
gelo como a Terra. “Assim que tivemos oportu-
nidade de ver Marte através de um telescópio,
começámos a descobrir o mundo em mudança”,
conta Nathalie Cabrol, do Instituto SETI, que
estuda Marte há décadas. Com o progresso dos
instrumentos, este local dinâmico poderia ser
estudado e cartografado.
Durante a época vitoriana, os astrónomos es-
boçaram a superfície marciana e apresentaram
os seus desenhos como factos, embora os capri-
chos e preconceitos dos cartógrafos influencias-
sem o produto final. Em 1877, um desses mapas
atraiu atenção internacional. Tal como fora
desenhado pelo astrónomo italiano Giovanni
Schiaparelli, Marte tinha uma topografia com
contornos bem definidos, com ilhas irrompen-

do de dezenas de canais, que ele pintou de azul.
Schiaparelli encheu o mapa de pormenores e,
em vez de se conformar com as convenções de
nomenclatura da sua época, designou as carac-
terísticas exóticas da sua versão do planeta com
topónimos das mitologias mediterrâneas.
“Assumiu uma posição incrivelmente arroja-
da”, diz Maria Lane, especialista em geografia
histórica da Universidade do Novo México. “Era
como se estivesse a dizer que vira tantas diferen-
ças face ao que os outros tinham visto que nem
conseguia usar os mesmos nomes.”
Em função disso, acrescenta Maria Lane, o
mapa de Schiaparelli tornou-se uma autoridade
instantânea. A opinião científica e popular decre-
tou que se tratava de uma representação poderosa
da verdade. Seguiram-se três décadas de imagina-
ção sem restrições.

Imagens do alto
As imagens recolhidas
pelos veículos de
exploração espacial
contribuem para o
progresso da ciência e
aumentam a simpatia
humana pelos robots. Em
2014, o Opportunity
enviou este auto-retrato,
composto por várias
imagens. Mostrava os
painéis solares do veículo
cobertos de poeira, que
bloqueia a luz solar.

IMAGEM DE MOSAICO DA NASA/JPL/UNIVERSIDADE DE CORNELL /UNIVERSIDADE
ESTADUAL DO ARIZONA

(Continua na pg. 20)


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