National Geographic - Portugal - Edição 240 (2021-03)

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a nível mundial. A fotografia planetária acabou
por substituir a cartografia como “verdade”, diz
Maria Lane. Quando as pessoas conseguiram ver
com os seus próprios olhos que as fotografias e os
mapas de Marte não coincidiam, deixaram de re-
conhecer autoridade aos mapas de Lowell.
Apesar disso, na transição para o século XX,
Marte tornara-se um vizinho familiar com pai-
sagens mutáveis e a promessa persistente de ser
habitado. A vaga de observações seguinte revelou
que, sazonalmente, as calotas polares de Marte
aumentavam e encolhiam, libertando uma escu-
ridão que alastrava em direcção ao equador. Al-
guns cientistas das décadas de 1950 acharam que
essas zonas sombreadas tinham de ser vegetação
que florescia e voltava a morrer e publicaram es-
sas hipóteses em revistas científicas relevantes.

Terminado esse período, seria perfeitamente
compreensível que qualquer indivíduo razoável
acreditasse que marcianos inteligentes tinham
construído uma rede de canais cobrindo o pla-
neta. Muito desse fervor pode ser directamente
associado a Percival Lowell, um aristocrata extra-
vagante com uma enorme obsessão por Marte.


COMERCIANTE ABASTADO de Boston e antigo aluno
da Universidade de Harvard, Lowell tinha mais do
que um interesse passageiro pela astronomia e era
um leitor ávido de artigos científicos e populares.
Parcialmente inspirado pelos mapas de Schiaparelli
e acreditando que os canais marcianos tinham sido
esculpidos por tecnologia extraterrestre, Lowell
apressou-se a construir um observatório no alto de
uma colina antes do Outono de 1894, quando Marte
se aproximaria bastante da Terra e a sua face ple-
namente iluminada seria ideal para observar esses
alegados canais.
Com a ajuda de alguns amigos e da fortuna da
família, o Observatório Lowell surgiu nesse ano
junto de Flagstaff, no estado do Arizona, numa
elevação íngreme baptizada de Mars Hill (Monte
de Marte) pelos autóctones. A partir dali, entre as
coníferas, o astrónomo estudou diligentemente o
Planeta Vermelho, aguardando noite após noite
que aquele mundo brilhante ganhasse nitidez.
Com base nas suas observações e desenhos, acre-
ditou que poderia confirmar os mapas de Schia-
parelli e anunciou a detecção de mais 116 canais.
“Quanto mais olhamos, mais começamos a ver
linhas rectas”, diz Nathalie Cabrol. “Porque é isso
que o cérebro humano faz.”
Segundo a estimativa de Lowell, os construto-
res dos canais marcianos eram seres suprema-
mente inteligentes capazes de obras de enge-
nharia à escala planetária. Estariam porventura
numa corrida com o intuito de sobreviver a alte-
rações climáticas devastadoras, que os obrigaram
a construir canais desde os pólos até ao equador.
Lowell publicou as suas observações e a sua con-
vicção foi contagiante. Até Nikola Tesla, o pionei-
ro da electricidade, cujas discussões com o inven-
tor rival Thomas Edison se tornaram famosas, foi
apanhado por este entusiasmo e relatou a detec-
ção de sinais de rádio vindos de Marte no início
do século XX.
No entanto, a história de Lowell começou a
desmoronar-se em 1907, em parte devido a um
projecto que o próprio financiara. Nesse ano, os
astrónomos captaram milhares de fotografias de
Marte através de um telescópio e partilharam-nas


CRAIG CUTLER
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