National Geographic - Portugal - Edição 240 (2021-03)

(Antfer) #1
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e revitalizou o interesse em descobrir se poderia,
em tempos, ter existido vida em Marte ou, com
sorte, se ainda existiria. “Acho fascinante que
ainda estejamos a lidar com temas que seriam
familiares a Percival Lowell”, diz Rich Zurek,
cientista-chefe do Gabinete para o Programa de
Marte do Laboratório de Propulsão a Jacto (JPL)
da NASA. “Só que... sem canais.”
Depois da Mariner 9, a NASA apressou-se a
enviar uma missão mais ambiciosa. Em 1976,
os seres humanos foram fi nalmente capazes de
olhar para o Planeta Vermelho ao nível dos olhos,
quando os dois veículos Viking pousaram no he-
misfério norte. Por essa altura, os cientistas já sa-
biam que não havia um coberto vegetal sazonal
em Marte: aquelas sombras móveis deviam-se a
tempestades de poeira causadas por poeira vulcâ-
nica. Também sabiam que a água já não fl uía em
abundância sobre a superfície.
Em contrapartida, não sabiam se os solos do
planeta eram desprovidos de vida e pelo menos
um astrónomo – Carl Sagan – não estava pronto
para abandonar completamente a ideia de até
existirem formas de vida ainda maiores. Para o
caso de os marcianos serem nocturnos, “duran-
te muito tempo, tivemos o plano de instalar uma
lâmpada de altíssima intensidade na Viking para
podermos tirar fotografi as de noite”, recorda Gen-
try Lee, autor de fi cção científi ca e engenheiro
chefe do JPL. Para desilusão de Sagan, a equipa
decidiu remover a lâmpada de ambos os veículos.
As experiências das Viking não encontraram
micróbios marcianos, nem pegadas na areia. Em
vez disso, descobriram indícios de percolados no
solo: compostos capazes de destruir moléculas
orgânicas e com potencial para apagar quaisquer
vestígios de vida baseada em carbono.
A missão enviou imagens de planícies cober-
tas de rochas que poderiam ter sido captadas em
qualquer local árido da Terra. Novas paisagens
continuaram a chegar, à medida que a NASA
pousava veículo atrás de veículo sobre a super-
fície do planeta: Pathfi nder em 1997, depois os
gémeos Spirit e Opportunity em 2004, seguidos
pelo Curiosity em 2012. Agora, quando vemos as
marcas deixadas pelos veículos de exploração
espacial no solo ou vemos os auto-retratos dos
robots que os mostram empoleirados à beira de
uma cratera colorida, conseguimos mais facil-
mente imaginar-nos a seguir o seu rasto.
“Depois de pousarmos, há toda uma evocação
do que signifi ca ser humano neste sítio”, diz a an-
tropóloga Lisa Messeri, da Universidade de Yale.

Numa manhã de Outubro, acedi a uma video-
conferência para conversar com Nathalie Cabrol,
do Instituto SETI. Ela tinha uma imagem de Mar-
te como pano de fundo. Era um panorama amplo,
com picos escuros cobertos de rochedos erguen-
do-se entre planícies cor de ferrugem e cumeeiras
distantes. Pareceu-me apropriada para uma cien-
tista que passou décadas a mergulhar, indirecta-
mente, nas paisagens marcianas.
Depois, Nathalie mudou de cenário. Vejo mar-
cas de pneus, carrinhas e um conjunto de tendas
cor de laranja no primeiro plano. Em vez de olhar
para Marte, estou a ver uma imagem de um dos
acampamentos de Nathalie no Altiplano chileno.
Durante décadas, ela esquadrinhou este deserto
situado a grande altitude em busca de ambientes
semelhantes aos de Marte, procurando vida em
picos vulcânicos e lagos de altitude e tentando
imaginar como um engenho robótico poderá, um
dia, realizar a mesma tarefa, a dezenas de milhões
de quilómetros de distância.
Nathalie Cabrol e outros cientistas contempo-
râneos que centram as suas atenções em Marte
têm uma dívida para com a Mariner 9, a primeira
sonda que orbitou Marte em 1971. De início, não
conseguia ver devido a uma tempestade de poei-
ra que cobria o planeta. “Marte ainda tentou, até
ao último minuto, manter uma aura de mistério”,
diz Nathalie. Quando a poeira assentou, a câmara
espiou os cumes dos gigantescos montes Tharsis,
um trio de vulcões que só parece pequeno compa-
rado com o seu vizinho monte Olimpo. A oriente
fi cava o enorme Valles Marineris, um vale de rifte
que se assemelha ao Grande Canyon do Arizona,
mas nove vezes mais comprido.
Entre milhares de fotografi as captadas pela
Mariner 9, os cientistas viram vales antigos escul-
pidos por rios, planícies aluviais, canais e deltas.
Também identifi caram vestígios químicos de
gelo de água. Tudo isto eram sinais de que o mo-
vimento da água esculpira, em tempos, as paisa-
gens exóticas de Marte.
“Há provas geológicas esmagadoras de que o
clima era muito diferente do que é hoje”, diz Ram-
ses Ramirez, do Instituto de Ciências da Vida na
Terra de Tóquio. Esse entendimento mudou o
rumo da exploração de Marte. “Foi muito mais
profundo do que todo o folclore que poderíamos
ter em mente”, diz Nathalie Cabrol. “Assim come-
çou outra aventura: a científi ca.”
A noção de que, no passado, Marte poderia
ter sido um lugar parecido com a Terra desenca-
deou várias questões sobre a evolução planetária

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