National Geographic - Portugal - Edição 240 (2021-03)

(Antfer) #1

26 NATIONAL GEOGRAPHIC


dam a identificar as rochas mais promissoras.
O veículo guarda essas amostras, que ficarão em
Marte a aguardar boleia para casa numa futura
nave espacial. Quando chegarem aos laboratórios
da Terra, os cientistas lerão os registos do clima
ancestral de Marte em busca de sinais de vida.
Talvez as câmaras do Perseverance sejam as pri-
meiras a vislumbrar provas de fósseis marcianos.

QUANTO MAIS NÃO SEJA, Marte conseguiu ensinar
à humanidade que somos frequentemente vítimas
do nosso desejo de encontrar vida à sua superfície.
Desde os canais, à vegetação e à possibilidade bas-
tante discutida de haver vestígios de fósseis em
meteoritos de Marte, o Planeta Vermelho tem repe-
tidamente gorado as nossas expectativas com rea-
lidades desoladoras e estéreis.

A CERCA DE OITO HORAS de automóvel de Istambul,
o lago Salda, no Sudoeste da Turquia, é um refúgio
local. Rochas vulcânicas escuras rolam até à areia
branca e brilhante que orla as suas margens. Águas
límpidas, em tons de água-marinha, tornam-se
azul-escuras junto do centro do lago, onde o fundo
atinge 200 metros de profundidade. É uma quase
perfeita analogia contemporânea da cratera Jezero,
o local onde o Perseverance, da NASA, planeia pro-
curar sinais de vida ancestral. “Os habitantes locais
chamam-lhe as Maldivas da Turquia”, diz Brad Gar-
czynski, aluno de pós-graduação em ciência plane-
tária da Universidade de Purdue. “Podemos
imaginar-nos como um pequeno micróbio a bron-
zear-se nas margens de Jezero.”
Jezero encontra-se agora seca, mas o terreno
esculpido sugere que em tempos conteve um
grande e profundo lago de cratera alimentado por
rios de águas correntes. Há mais de 3.500 milhões
de anos, é provável que a água corresse para Jeze-
ro vinda de norte e de oeste, depositando cama-
das de sedimentos em deltas em forma de leque
junto das paredes da cratera. Com o tempo, a
cratera alagou, mas acabou por libertar água por
uma fenda situada a leste.
A partir das suas órbitas, as sondas identifica-
ram argilas e carbonatos junto dos deltas de Je-
zero, cuja formação teria exigido água. As areias
brancas do lago Salda são constituídas por car-
bonatos fragmentados chamados microbialitos,
estruturas rochosas que aprisionam compostos
orgânicos. Na Terra, este processo forma estru-
turas em camadas que preservam as mais antigas
provas de vida microbiana terrestre, remontando
há 3.500 milhões de anos. Os cientistas esperam
que os carbonatos de Jezero tenham feito o mes-
mo e tenham aprisionado algo daquilo que outro-
ra habitou o lago ou as suas margens ancestrais.
“É uma das razões pelas quais nos sentimos
entusiasmados com a cratera Jezero”, diz Briony
Horgan, cientista planetário da Universidade de
Purdue. É também por isso que Brad está a expe-
rimentar um veículo de exploração de Marte na
Turquia: procura os locais mais prováveis para a
preservação de bioassinaturas e tenta descobrir
como o Perseverance as veria. Para tal, recolheu
cerca de 40 quilogramas de amostras no lago Sal-
da e levou-as para casa de avião.
À semelhança de Brad Garczynski, o Perse-
verance recolhe rochas para uma viagem de re-
gresso, embora apenas 450 gramas, no máximo.
As suas câmaras incorporadas (que vêem Mar-
te em diferentes comprimentos de onda) aju-


Campo
de testes
marciano
Não é fácil controlar
um veículo de
exploração espacial em
Marte. Na Terra, os
cientistas aproveitam
locais parecidos com os
terrenos marcianos
para descobrirem
vários problemas nos
seus procedimentos.
Em Fevereiro de 2020,
um leito de lago seco
no Nevada desempe-
nhou o papel de Marte
enquanto os investiga-
dores Raymond Francis
(em pé) e Marshall
Trautman, do JPL,
usavam operadores de
câmara telecomanda-
dos para testar
equipamento conce-
bido para o
Perseverance.
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