National Geographic - Portugal - Edição 240 (2021-03)

(Antfer) #1
Em 1993, Kirk Bloodsworth foi o primeiro in-
divíduo libertado do corredor da morte graças a
provas de DNA. Fora detido em 1984 e acusado
da violação e homicídio de Dawn Hamilton, uma
menina de 9 anos, no estado de Maryland. A po-
lícia recebeu um alerta contra Kirk, que acabara
de se mudar para aquela zona, quando um delator
anónimo o identificou depois de ver um desenho
policial do suspeito na televisão.
Na verdade, Kirk tinha poucas semelhanças
com o suspeito mostrado no esboço policial. Não
havia qualquer prova física que o ligasse ao crime.
Não tinha antecedentes criminais. Mesmo assim,
foi considerado culpado e condenado à pena de
morte praticamente com base no depoimento de
cinco testemunhas, incluindo duas crianças de 8
e 10 anos, que afirmaram tê-lo visto perto do local
do crime. A existência de erro na identificação por
testemunhas é um factor de influência em muitas
condenações erradas, segundo o DPIC.
“Gaseiem-no e dêem-lhe cabo do canastro”, re-
corda-se Kirk de ter ouvido depois de ser conde-
nado. Durante esse tempo, interrogava-se sobre
como era possível ter sido condenado à morte por
um crime hediondo que não cometera.
Cerca de dois anos mais tarde, foi-lhe concedi-
do um segundo julgamento por ter sido demons-
trado, em sede de recurso, que a acusação oculta-
ra à sua defesa provas que poderiam inocentá-lo,
nomeadamente que a polícia identificara outro
suspeito, mas não seguira essa pista. Mais uma
vez, Kirk foi considerado culpado. A sentença foi
dada por um juiz diferente, que condenou Kirk a
prisão perpétua e não à morte.
“Houve dias em que perdi a esperança. Pensei
que ia passar o resto da vida na prisão. Um dia,
li um exemplar do livro de Joseph Wambaugh”,
conta. Nesse livro de 1989, “The Blooding” [sem
tradução portuguesa], descreve-se a emergente
ciência dos exames de DNA e a maneira como as
entidades responsáveis pela aplicação da lei a ti-
nham utilizado pela primeira vez para ilibar sus-
peitos e resolver um caso de violação e homicídio.

“Pensei que me iam matar”, disse. E esse pare-
cia ser mesmo o plano. Recorrendo ao depoimen-
to das testemunhas principais, os procuradores
manipularam a alegada confissão, ao mesmo
tempo que influenciavam o júri com referências
à alegada participação de Gary nesses roubos an-
teriores. Os advogados de defesa oficiosos, sem
qualquer experiência em processos de pena de
morte e pouca em matéria de direito penal, per-
maneceram quase sempre mudos. Não fizeram
grandes tentativas para apresentar provas em prol
da inocência do seu cliente. Gary foi declarado
culpado em 1995 e condenado à morte. Passaria
quase seis anos no corredor da morte.
Em 2000, o Supremo Tribunal do Alabama
ordenou a realização de um novo julgamento,
devido ao facto de a acusação ter aduzido os an-
tecedentes criminais de Gary Drinkard. “A prova
de maus actos anteriormente praticados pelo ar-
guido ... é geralmente inadmissível. Essas provas
são prejudiciais por poderem levar o júri a inferir
que, como o arguido cometeu crimes no passado,
há mais probabilidade de ter cometido o crime de
que é acusado”, escreveu o tribunal, ao conceder a
realização de um novo julgamento.
O caso de Gary Drinkard chamara a atenção
do Southern Center for Human Rights, uma or-
ganização que combate a pena de morte. A insti-
tuição disponibilizou-lhe representação jurídica.
No novo julgamento, em 2001, os seus advogados
apresentaram provas de que Gary padecia de uma
lesão nas costas e se encontrava fortemente me-
dicado na altura do homicídio. Os advogados ar-
gumentaram que ele estava em casa, de baixa por
acidente de trabalho, quando Pace foi assassina-
do. Gary foi absolvido.
“Eu não era contra a pena de morte até o Estado
tentar matar-me”, resumiu Gary.

REGISTARAM-SE MAIS DE 2.700 ABSOLVIÇÕES nos
EUA desde 1989, primeiro ano em que o DNA se
tornou um factor de ponderação, de acordo com o
Registo Nacional de Absolvições.

A polícia deteve Gary,
hoje com 62 anos, duas
semanas depois de um
negociante de sucata
ser assassinado no Ala-
bama, em Agosto de


  1. A troco de absol-
    vições por acusações
    de roubo, a meia-irmã
    e o companheiro desta


Gary
Drinkard
COMARCA DE MORGAN

6 ANOS DE PRISÃO, TODOS
NO CORREDOR DA MORTE;
ABSOLVIDO EM 2001

testemunharam que
Gary matara o sucateiro.
Os defensores oficio-
sos não apresentaram
provas a favor da sua
inocência. Foi conde-
nado à morte em 1995.
Em 2000, o Supremo
Tribunal do Alabama
ordenou a realização de

novo julgamento, por-
que a acusação referira
o cadastro criminal de
Gary durante as sessões.
Nesse segundo julga-
mento, foram apresenta-
das provas de que ele se
encontrava em casa com
uma lesão na noite do
homicídio. Foi libertado.

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