National Geographic - Portugal - Edição 240 (2021-03)

(Antfer) #1
74 NATIONAL GEOGRAPHIC

de falar com os gregos e dizer-lhes, com toda a
sinceridade, que a sua posição era insustentável e
depois dizer o mesmo aos turcos. Ele apresentava
a situação tal como existia.”
Havia, porém, outro grande problema com a li-
nha de cessar-fogo de Caxemira: ela não separava
por completo a Índia e o Paquistão. Em vez disso,
num ponto de coordenadas, designado NJ9842
durante o processo de demarcação, a linha parava
abruptamente a quase 60 quilómetros da fron-
teira com a China. Esta linha sem fim é única na
geografia mundial.
A equipa de topógrafos teve boas razões para
não avançar. Aquele derradeiro troço de 60 quiló-
metros atravessava o coração montanhoso do Ca-
racórum. Não havia ali populações permanentes
para proteger, conhecimento de recursos naturais
para explorar, nem acessos fáceis para construir
infra-estruturas militares. Em vez de apresentar
uma linha definitiva, o tratado final fornecia ape-
nas uma orientação vaga da terra além de NJ9842:
“... dali para norte até aos glaciares.”
Com efeito, havia muitos glaciares a norte de
NJ9842, mas de todos o maior – e estrategicamen-
te mais importante – era o Siachen, um enorme
e serpenteante rio de gelo que atravessa a região
oriental de Caracórum. “Na época, era uma es-
pécie de espaço em branco no mapa”, diz Dave
Linthicum. “Em 1949, a ideia de que este terreno
merecia ser disputado teria sido considerada ab-
surda por todas as partes envolvidas.”
Durante o Verão tórrido de 1968, enquanto os
EUA se debatiam com a guerra do Vietname e a
agitação política interna, Robert Hodgson con-
sultou outros gabinetes do Departamento de Es-
tado para decidir a forma de representar a linha
de cessar-fogo, incluindo a questão incómoda do
espaço vazio com cerca de sessenta quilómetros.
No dia 17 de Setembro, quase três meses depois
de receber o aerograma de Weathersby, Robert
redigiu a sua resposta numa carta que permane-
ceu confidencial até 2014. “Há muito que o De-
partamento reconhece as dificuldades associadas
à elaboração de um mapa com as fronteiras in-
ternacionais da Índia que não ofenda o governo
anfitrião e, ao mesmo tempo, não comprometa as
posições políticas assumidas pela América”, refe-
ria a introdução.

Depois de a poeira assentar, os exércitos rivais
permaneceram frente a frente ao longo de uma
linha de cessar-fogo que serpenteava por uma
região montanhosa no centro de Caxemira. Após
um tratado mediado pelas Nações Unidas, em
1949, equipas de topógrafos militares da Índia e
do Paquistão, sob supervisão da ONU, foram en-
carregadas de traçar a linha de cessar-fogo. De-
pois, em 1962, as forças chinesas conquistaram
Aksai Chin, uma região desértica situada a gran-
de altitude no canto oriental de Caxemira, atrapa-
lhando ainda mais a questão das fronteiras.
Quando o aerograma enviado por Weathers-
by foi recebido, em 1968, Robert Hodgson viu-se
a braços com um problema complicado: como
deveriam os EUA representar nos seus mapas a
situação confusa? Se aceitasse as reivindicações
dos funcionários públicos indianos, Caxemira
pertenceria à Índia na sua totalidade. Se seguis-
se a Resolução 47 da ONU, como defendia o Pa-
quistão, Caxemira era uma entidade separada, a
aguardar a realização de um referendo público
para decidir a qual país se juntaria. Caso decidisse
reproduzir a situação realmente vivida no terre-
no, Caxemira seria partida em duas, sob a jurisdi-
ção efectiva dos exércitos da Índia e do Paquistão,
com um pequeno recanto controlado pela China.

AO LONGO DA DÉCADA DE 1960, os diplomatas
indianos protestaram contra a representação de
Caxemira nos mapas norte-americanos, como um
território ocupado ou separado do resto da Índia.
“A posição correcta é que a totalidade do estado de
Jammu e Caxemira faz, legalmente, parte da Índia,
com o Paquistão e a China numa ocupação ilegal
de áreas a oeste e a norte da linha de cessar-fogo”,
referia uma reclamação apresentada em 1966.
Após a Partição, os EUA e o Paquistão torna-
ram-se aliados na guerra fria. Poderá ter pare-
cido que os EUA favoreciam o Paquistão nesta
contestação. Contudo, nenhuns documentos
descobertos até à data revelam que tais conside-
rações políticas tivessem influenciado o Gabinete
do Geógrafo. Em 1968, Robert Hodgson já se en-
volvera em muitas questões sensíveis relativas a
fronteiras. “Ele tinha uma certa reputação”, con-
tou Bob Smith, contratado pelo primeiro para
integrar o gabinete em 1975. “Hodgson era capaz

PARA O INFLUENTE GABINETE DO GEÓGRAFO DOS EUA, OS PROBLEMAS
GEOPOLÍTICOS E FRONTEIRIÇOS DE CAXEMIRA ERAM UM

NGP_03_21_SIACHEN.indd 74NGP_03_21_SIACHEN.indd 74 16/02/21 13:4316/02/21 13:43

Free download pdf