National Geographic - Portugal - Edição 240 (2021-03)

(Antfer) #1
UMA FRONTEIRA NAS MONTANHAS 77

a linha da frente na batalha pelo glaciar de Sia-
chen e moldou o arquipélago de postos avança-
dos militares que actualmente define o impasse.
Os relatos das linhas da frente do conflito de Sia-
chen são muitas vezes embelezados por noções
românticas de patriotismo, mas passar semanas
ou meses a grande altitude nada tem de român-
tico. A cerca de 5.500 metros acima do nível do
mar, o organismo humano, carente de oxigénio,
começa a entrar em insuficiência. É uma questão
de tempo até a morte se tornar inevitável.
No entanto, em Siachen e nos glaciares em re-
dor, os dois exércitos ocupam mais de cem postos
permanentes a grande altitude. A manutenção
destes acampamentos exige um esforço logístico
estrondoso: é como planear mais de cem expedi-
ções de montanhismo em simultâneo e mantê-las
continuamente.
Em 2011, Cory Richards acampou junto de um
dos postos avançados paquistaneses, durante
uma expedição de Inverno ao Gasherbrum II. Ali
encontrou os destroços congelados de um heli-
cóptero que se despenhou e um pelotão de solda-
dos curiosos vivendo em acampamentos esparta-
nos. “Tínhamos Internet, por isso eles vinham ter
connosco e bebíamos chá juntos,”, diz.
Foi, em parte, esse encontro que nos levou a pe-
dir ao governo do Paquistão que nos deixasse do-
cumentar a vida na fronteira de Siachen. Ao longo
dos anos, outros jornalistas têm percorrido este
trilho e tornou-se claro que o exército do Paquis-
tão tinha um guião bem ensaiado para os visitan-
tes quando nos sentámos para assistir à primeira
de várias sessões de esclarecimento realizadas ao
longo da nossa visita a algumas bases.
“Contra todas as adversidades, os defensores
do K2 ocupam as posições militares mais altas de
qualquer parte do mundo”, disse-nos um capitão
da Brigada 62. “Seria uma boa referência para in-
cluírem na vossa reportagem.”
A partir do seu quartel-general, na cidade de
Skardu, a linha de abastecimento da Brigada 62
serpenteia pelo vale de Braldu acima até à passa-
gem de Conway, a quase seis mil metros de alti-
tude. A última metade da viagem só é possível a
pé ou de helicóptero. O exército fez-nos caminhar
para nos ambientarmos.
O trilho parece fácil no mapa: um vale amplo
e quase sem árvores, rasgado por campos de pe-
dregulhos e riachos de águas borbulhantes. “Para
si, é divertimento, mas nós fazemos isto todos
os dias,” disse-me um soldado na primeira ma-
nhã de caminhada.

No entanto, Robert Hodgson não viveu tempo
suficiente para assistir ao recrudescimento das
tensões causado pela sua linha. Em Dezembro de
1979, meses após a publicação da notícia da expe-
dição de Kumar, Hodgson, que fora promovido a
director do Gabinete do Geógrafo, morreu de ata-
que cardíaco. Tinha 56 anos.


O SOLDADO


No dia 13 de Abril de 1984, o exército indiano lan-
çou a Operação Meghdoot. Recorrendo a helicóp-
teros, o exército destacou um pelotão de soldados
para ocupar Bilafond La. Não tardou a ocupar
duas outras. Com estas acções, a Índia passou a
controlar a cordilheira de Saltoro, que se tornaria (Continua na pg. 82)

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