Dragões - 202009

(PepeLegal) #1

REVISTA DRAGÕES SETEMBRO 2020


estímulos para a inscrição. Por
isso, mais do que realidades
quantitativas absolutas, estas
informações permitem esboçar
linhas de força e tendências.
O FC Porto do verão de 1977 era
um clube que tinha vencido
apenas cinco de 43 edições da
liga portuguesa, que vivia o
último ano de um longo jejum
de 19 sem o principal título
nacional, que nunca tinha
brilhado na Europa e que
só pontualmente tinha sido
dominador em qualquer das
modalidades mais populares do
país. A grande transformação
estava em vias de acontecer,
com o bicampeonato de 1978 e
1979, o que torna especialmente
preciosas as informações que
o geógrafo François Guichard
reuniu em Porto, la ville dans sa
région, uma monumental tese de
doutoramento com 1150 páginas:
o que lá se pode ler é um retrato
do clube imediatamente antes
da avalanche de sucesso que
estava prestes a acontecer e que
se prolongaria até ao presente.
Nesses tempos, o FC Porto
vivia acabrunhado sobre a
cidade-sede e os concelhos
vizinhos: 55% dos 52.830 sócios
habitavam no Porto; a capital
de distrito e Vila Nova de Gaia,
Gondomar, Maia, Matosinhos
e Valongo concentravam
90% dos associados. De resto,
descontando o caso excecional
de Lisboa, o número de
filiados só era minimamente
significativo num punhado
de outras cidades do Douro
Litoral e do Minho: Espinho,
Guimarães, Lousada, Marco de


Canaveses, Paços de Ferreira,
Paredes, Penafiel, Santa Maria
da Feira, Santo Tirso, Vila do
Conde e Vila Nova de Famalicão.
A implantação no conjunto
do Norte era, portanto, muito
limitada. E de lá para baixo o
cenário era quase desolador,
sobretudo no interior do país: o
FC Porto não tinha sequer um
sócio em distritos inteiros como
o de Castelo Branco e o de Beja,
e eram vários os concelhos
da Guarda, de Coimbra, de
Santarém, de Setúbal, de Évora
e de Faro que não tinham
portistas com a ligação ao clube
formalizada. O panorama nos
arquipélagos atlânticos também
não era famoso e o número de
sócios não atingia a centena.
43 anos, sete troféus
internacionais e 24
campeonatos nacionais depois,
com quase o triplo dos sócios


  • 137.750 –, as diferenças são
    brutais. O peso do Porto e do
    grupo de seis concelhos que
    em 1977 concentravam 90%
    dos associados baixou para
    19% e 60%, respetivamente.
    O Norte foi conquistado em
    definitivo – eventualmente, a
    par do sucesso desportivo, a
    melhoria das condições de
    vida e das acessibilidades e a
    consequente facilitação das
    deslocações ao Porto e aos
    estádios das Antas e do Dragão
    explicam uma parte desta
    mudança. Hoje o FC Porto tem
    núcleos importantes de sócios
    em quase todos os concelhos
    dos distritos do Porto, de Aveiro
    e de Braga, e passou a recolher
    muitas mais preferências


REVISTA DRAGÕES SETEMBRO 2020

também em Viana do Castelo,
Vila Real, Bragança e Viseu. A
Área Metropolitana de Lisboa
é outro polo agregador de
um número significativo de
sócios portistas – em 1977,
porventura como resultado
das migrações internas, já
havia vários sócios na capital
do país, mas eram menos e
estavam muito mais isolados.
Nas regiões mais despovoadas
do interior e do Alentejo, o
número de filiados também
cresceu, ficando evidente que
o portismo já tem expressão
em todo o território nacional.
François Guichard quiçá
tenha exagerado quando
escreveu no seu estudo que “o
Futebol Clube do Porto, talvez
melhor do que a cidade no seu
conjunto, conseguiu tornar-
se a verdadeira expressão
socio-desportiva do Norte
inteiro face à capital”. Apesar
de nessa altura o discurso de
representação da região já
ter sido assumido por vários
dirigentes, o que é certo é que
a geografia dos sócios do clube
não o validava plenamente.
Hoje o cenário já é muito
distinto. O FC Porto ultrapassou
as fronteiras do Porto, dominou
o Norte e implantou-se em todo
o país, enquanto nos estádios,
nos pavilhões, nas pistas e
nas estradas conquistava
Portugal e o mundo. É hoje,
sem qualquer dúvida, um
clube com raiz numa cidade,
orgulhoso representante
de uma região, e que tem
expressão nacional porque
alcançou escala internacional.
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