Revista 3ª edição

(Anita Santana) #1

  • Como o senhor aprendeu a
    fazer isto?

  • Meu pai fazia assim e ele
    aprendeu com o pai dele.
    Seu João olhou para ver o que
    fazia e eu não tirava os olhos do
    monte de terra de onde saía uma
    fumaça escura com cheiro de terra
    queimada. E passei a pensar o que
    estava aprendendo com meu pai.
    Depois de um breve tempo,
    ele disse:

  • Vivendo e aprendendo. Era o
    que meu pai sempre falava e é só
    assim que a gente aprende como
    se faz e como as coisas são.
    Olhei para o homem, depois
    para o monte de terra. Então me
    abaixei e peguei um punhado, mas
    logo atirei de volta, sacudindo a
    mão:

  • Está quente.
    Seu João riu. O seu riso me
    contagiou e eu ri também.
    Ele levava o carvão para sua
    ferraria num carrinho de mão com
    roda de madeira e a cada volta a
    roda rangia como um estranho
    instrumento de percussão. Eu o
    acompanhava com passos curtos e
    rápidos; às vezes, olhava para ele,
    que caminhava concentrado,
    pensativo. Acho que eu não
    pensava em nada, apenas
    acompanhava um homem que
    sabia muitas coisas.


Seu João conhecia as estações
do ano, as fases da lua e as voltas
da terra. Ele não só sabia, mas
explicava também. Eu
compreendia pouco ou nada, mas
gostava de ouvi-lo falar sobre as
coisas do mundo e de como ele
lhes dava explicação e sentido.
Era um homem sabido.
Sabia, por exemplo, quando
chovia ou fazia sol. Dizia que, se
o céu amanhecia avermelhado, ia
chover; se anoitecia avermelhado,
ia fazer tempo bom. Conhecia as
nuvens e sabia se ia chover,
bastante ou pouco, ou se não
chovia.
Daí eu passei a observar o céu
de manhã e de noite. Mas por
pouco tempo.
Meu interesse logo migrou
para as ocupações da infância.
Num outro dia, ele já estava
fazendo carvão quando cheguei.
Eu sabia como aquilo funcionava
e não era sobre o carvão que eu
queria saber. Olhei para ele com
olhar de dúvida e ele percebeu.
Mas fez que não viu e ficou um
instante observando qualquer
coisa distante. Em seguida me
fitou e disse:


  • A vida é muito simples, viu?
    E a gente não precisa inventá-la. É
    só viver como ela vem, um dia
    depois do outro, do mesmo jeito
    que a gente caminha, agora põe

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