CLÁUDIO FERRAZ - Polarizar para governar
Banco Central do Brasil
O Globo/Nacional - Economia
sábado, 6 de março de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas
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A explosão de mortes pelo coronavírus nas últimas
semanas acompanhada pela relutância do governo à
compra de vacinas, o boicote às mascaras e ao
lockdown, e a indiferença com que o presidente Jair
Bolsonaro trata as mortes, levam muitos a se
perguntarem como o Brasil pôde eleger um líder tão
incompetente e indiferente ao sofrimento humano.
Porém uma forma alternativa de pensar nas ações do
presidente é que elas não são consequências de sua
ideologia ou inépcia, e sim de uma estratégia de dividir
para conquistar ou amedrontar para governar. Quanto
mais dividida estiver a sociedade, maior a capacidade
do presidente de instaurar o medo do "outro lado" voltar
ao poder. E quando o medo domina os seres humanos,
o tribalismo aflora em sua máxima expressão.
Um modelo elegante que captura essas dimensões foi
publicado em 2007 pelo professor de economia de Yale,
Gerard Padro-iMiquel. No trabalho "O controle de
políticos em sociedade divididas: a política do medo" ele
se pergunta como é possível que em sistemas
autocráticos exista tanta corrupção por parte do governo
coexistindo com o uso de políticas públicas ineficientes,
pobreza generalizada, e mesmo assim um autocrata
consegue se manter no poder. Ele propõe um modelo
onde a sociedade está dividida por grupos étnicos e as
instituições são fracas. Nesse modelo simples um
governante precisa do apoio do seu grupo étnico. Para
garantir esse apoio ele pode taxar atividades diferentes
e direcionar transferências diretamente para o seu
grupo. Quando o líder é substituído, isso gera
instabilidade e a troca do grupo étnico que está no
poder. Assim o grupo que antes se beneficiava perde o
acesso às transferências.
Este modelo gera diversos resultados interessantes. O
primeiro é que a necessidade de "comprar" apoio faz
com que o governo implemente políticas ineficientes em
forma de patronagem direcionada ao seu grupo étnico.
O segundo é a falta de responsabilização do governante
que não precisa maximizar o bem-estar dos seus
apoiadores pela "política do medo". O medo do líder que
representa seu grupo étnico ser retirado do poder e um
novo líder direcionar os recursos para o outro grupo faz
com que os cidadãos apoiem seu governante
cleptocrata. Além disso o modelo gera ciclos de poder
onde sempre haverá governantes ruins que serão
apoiados por seus respectivos grupos étnicos.
Padro-i-Miquel tinha em mente sistema autocráticos de
alguns países africanos quando escreveu esse modelo.
Mas podemos facilmente substituir grupos éticos por
clivagens ideológicas e obter resultados que explicam o
comportamento de Jair Bolsonaro. Enquanto houver um
grupo de eleitores que acredite que um candidato
alternativo como Lula implementará políticas muito
diferentes que os prejudicará - sejam elas políticas
econômicas, educacionais ou o controle do uso de
armas - Bolsonaro poderá desviar do que seria uma
política apropriada e mesmo assim manter seu suporte
popular. Como consequência da necessidade de manter
esse apoio, o presidente precisa reforçar a "política do
medo" cada vez que seus indicadores pioram.
O comportamento de Bolsonaro se assemelha ao de
Donald Trump que também utilizou um discurso