EURÍPEDES ALCÂNTARA - A Covid-19 e o poder brando
Banco Central do Brasil
O Globo/Nacional - Opinião
sábado, 6 de março de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas
Clique aqui para abrir a imagem
Na fase atual das relações internacionais, nenhum país
pode se dar ao luxo de ignorar a imagem que projeta
sobre a opinião pública mundial. Nunca o soft power, o
poder brando como dizem os diplomatas, foi tão
decisivo. Por se sentirem capazes de controlar as
vontades de seus próprios povos, as ditaduras tendem a
ignorá-lo. Iludem-se com a ideia de que, nas nações
democráticas, as coisas se dão dessa mesma maneira.
Ilusão cara e perigosa. Quanto mais viável e influente é
um país, mais seu sistema de poder tende a refletir os
humores da opinião pública.
Nem a China, com seu confucionismo milenar e governo
ditatorial de partido único, escapa dessa verdade. O
confucionismo é, no fundo, a fonte de unidade da
burocracia disciplinada, meritocrática e obstinada que
mantém em constante crescimento a formidável
máquina econômica da China. O neomaoismo
persecutório e centralizador implantado pelo atual líder,
Xi Jinping, joga contra a China no cenário internacional,
e isso é fonte de preocupação.
Em 2019, antes da eclosão da epidemia de Covid-19,
um grupo de estudiosos chineses de alto nível
encampou uma cadeira de estudos na Universidade
Princeton, nos Estados Unidos. São dois os focos
principais. O primeiro, tentar mostrar que não tem futuro
um soft power altamente centralizado, comandando pelo
poder central em Pequim. O segundo, identificar
ageração atual não mais com o confucionismo, mas
com a "ética inocente do primitivismo selvagem" de
dinastias anteriores como Xia, Shang e Zhou. Foram
períodos em que a China não era um império, não tinha
ímpetos expansionistas, e - algo que agradaria a Platão
- seus sábios, principalmente astrônomos e
matemáticos, pareciam exercer grande influência sobre
poder político e militar.
O imenso sucesso na campanha de vacinação contra a
Covid-19 atraiu a atenção do mundo e despertou em
Israel o espírito do poder brando. Em pouco mais de
dois meses, Israel vacinou 80% de sua população
acima dos 60 anos e, segundo dados do Instituto
Weizmann, as internações nessa faixa de idade caíram
42%, e houve 35% menos mortes pelo contágio com o
coronavírus.
Até o premier Benjamin Netanyahu, longe de ser um
governante simpático ao mundo, se animou e estrelou
um comercial de televisão em que iguala os
negacionistas da vacina a crédulos medievais que
acreditam na existência de dragões. O comercial pode
ter ajudado também internamente, convencendo os
recalcitrantes ultraortodoxos a se vacinar. Sendo
apenas 12% da população de Israel, os ultraortodoxos,
que ignoram máscaras e se aglomeram nas ruas,
respondem por 23% dos casos da Covid-19 no país.
Mas, até entre eles, as taxas de vacinação têm
crescido.
O soft power é uma nova riqueza das nações. Se
alguma herança positiva restar da epidemia de Covid-
19, será a sensação inescapável de um humanismo que
parecia para sempre perdido para as disputas
comerciais e geopolíticas. Onde um ser humano perde a
luta para o coronavírus, todos nós perdemos. A vitória
de um país contra o vírus é uma vitória de toda a