Onde estão os negros na Argentina?
Banco Central do Brasil
Correio Braziliense/Nacional - Opinião
sábado, 6 de março de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas
Clique aqui para abrir a imagem
Autor: » GERSON BRISOLARAJornalista com atuação
em comunicação social e organizacional, educação
corporat
Um assunto sempre me deixou intrigado ao
acompanhar as competições esportivas nos meios de
comunicação: o fato de eu nunca ter visto um negro
atuando em qualquer seleção esportiva argentina, seja
em copa do mundo seja em jogos pan-americanos ou
olímpicos. Houve escravidão em toda a América Latina.
Basta ver atletas e artistas brasileiros, uruguaios,
colombianos, equatorianos, venezuelanos, peruanos
etc. O que, afinal, aconteceu com os negros da
Argentina?
Jorge Lanata é um importante jornalista argentino,
fundador do diário Página/12 e autor de Argentinos (Ed.
Argentina), belíssima história do país em dois volumes,
lançada em 2002. Na obra, ele refere-se aos negros
como "los primeiros desaparecidos", referência aos
mortos pela ditadura militar dos idos de 1970 e 1980. E
traz dados mais antigos: no censo de 1778, 30% da
população tinha origem africana. A proporção se
mantém no censo de 1810, cai para 25% em 1838. Em
1887, repentinamente, compõe menos de 2%. Mas bem
no início, há depoimentos de que a proporção de negros
e brancos em Buenos Aires chegou a ser de 5 para 1.
Segundo recente estudo genético autossômico de 2012,
a composição da Argentina tem ascendência europeia
(65%), indígena (31%) e africana (4%).
Durante seu primeiro século, a capital argentina
sobreviveu à custa do comércio negreiro. Do século 16
até a primeira metade do 17, a coroa espanhola
drenava o ouro e a prata na região do Potosí, na atual
Bolívia. Foi esse negócio que deu nome ao rio da Prata
-- foram principalmente as mãos negras que tiraram das
minas subterrâneas os metais que sustentaram a
Europa. Os negros escravizados de Potosí vinham,
principalmente, de Angola. Eram negociados pelos
peruleiros (comerciantes do Brasil que tratavam com os
espanhóis do Peru, no século 18), que faziam a rota
Potosí-Buenos Aires-Rio-Luanda.
O Rio de Janeiro, de modo semelhante, era dependente
do tráfico. No Cais do Valongo chegavam os
escravizados, pagos, em geral, não com dinheiro, mas
com açúcar, cachaça, mandioca e tabaco, que serviam
de moeda de troca na África. Muitos eram então
transportados para Buenos Aires. E enviados rio Prata
acima até as minas. A relação na rota de tráfico entre
Rio e Buenos Aires era tão próxima que, quando veio a
separação da União Ibérica, os cariocas chegaram a
sugerir aos "hermanos" que se bandeassem para o lado
português.
Como no Brasil, todo o serviço, doméstico ou não, nos
séculos 17 e 18 na Argentina era feito por mão de obra
negra escravizada. Então desapareceram, e a história
local ensinada nas escolas se cala sobre o tema.
Francisco Morrone, autor de Los negros en el ejército:
declinación demográfica e disolución, é um dos
historiadores que tenta recuperar o que houve. Segundo
Morrone, uma das explicações é a prática de
casamentos mistos que, lentamente, clarearam a pele
dos descendentes.