Mordaça inaceitável
Banco Central do Brasil
O Estado de S. Paulo/Nacional - Notas e Informações
sábado, 6 de março de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas
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A Controladoria Geral da União (CGU) impôs uma
espécie de mordaça a dois professores da Universidade
Federal de Pelotas (UFPel) que criticaram publicamente
a péssima condução da pandemia de covid-19 pelo
presidente Jair Bolsonaro. O que os docentes fizeram
nada mais foi do que observar algo que está claro para
qualquer cidadão minimamente informado sobre o que
se passa no Brasil. O irremediável descaso do
presidente da República diante da maior tragédia que se
abateu sobre as atuais gerações transformou o que
seria uma grave crise de saúde pública neste horror
sem fim.
Os professores Pedro Hallal, ex-reitor da UFPel, e
Eraldo dos Santos Pinheiro, pró-reitor de Extensão e
Cultura, assinaram um Termo de Ajustamento de
Conduta (TAC) para pôr fim a um processo
administrativo na CGU que poderia ter desfecho mais
gravoso. Pelos termos do acordo, ambos deverão se
abster de manifestar suas opiniões sobre a atuação de
Bolsonaro na gestão da crise sanitária pelos próximos
dois anos, ou seja, enquanto Bolsonaro for presidente.
É inaceitável. O "acordo" da CGU com os docentes não
é outra coisa se não intimidação, uma ação nada sutil
de um órgão de Estado não só para calar dois críticos
da gestão, por assim dizer, de Bolsonaro, como
também, e principalmente, para ameaçar outros
servidores públicos que tenham o atrevimento, ora
vejam, de apontar os erros e omissões do "mito",
infalível que é.
Dois professores são punidos hoje por manifestações
de pensamento que desagradaram ao presidente e seus
apoiadores com cargos em órgãos públicos. Amanhã, o
que pode acontecer? Até onde irá essa escalada
autoritária? Se limites não forem impostos agora, o que
impedirá, no futuro, que opositores do governo sejam
calados ou até mesmo presos, a depender da
interpretação que façam de suas críticas? O Brasil ainda
está sob o império das leis. E a Lei Maior garante que é
livre a manifestação de pensamento.
A decisão da CGU, tomada após representação feita
pelo deputado Bibo Nunes (PSLRS), bolsonarista de
quatro costados, merece firme reação da sociedade. É
uma afronta às liberdades de expressão e de cátedra
consagradas pelas leis e pela Constituição. À Justiça
cabe impor reparações aos ofendidos nos casos de
abuso de direitos e violações legais, mas sempre após o
exercício do direito.
A CGU classificou as críticas dos professores de
"desapreço" a Bolsonaro. O enquadramento como uma
conduta tida como "de menor potencial ofensivo" evitou
punições mais severas, como a demissão do serviço
público, o que teria motivado Pedro Hallal e Eraldo
Pinheiro a assinarem o TAC. Mas o caso é aviltante de
toda forma. Ao fim e ao cabo, trata-se de uma desabrida
ação para silenciar críticas ao governo.
O Ministério da Educação (MEC) se animou com o
avanço liberticida sobre os docentes da UFPel. Após o
desfecho na CGU, o MEC enviou ofício às instituições
federais de ensino de todo o País "alertando" que
manifestações de natureza política nos campi poderiam
ser classificadas como "imoralidade administrativa",