Temos um governo genocida?
Banco Central do Brasil
O Estado de S. Paulo/Nacional - Espaço Aberto
sábado, 6 de março de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas
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Autor: Bolívar Lamounier
Disseminar um vocábulo raramente usado no Brasil,
como genocídio, é uma proeza. Jair Bolsonaro
conseguiu, hoje tal vocábulo aparece nas redes sociais
praticamente todo dia.
É certo que o termo é empregado para xingar o próprio
Bolsonaro. Muita gente se vale dele para afirmar que o
Brasil tem atualmente um presidente genocida. Dito
assim, mesmo reconhecendo que algo há de verdade,
devemos convir que se trata de um enorme exagero.
Bolsonaro não tem estatura para carregar um peso
desses. O que ele tem feito, dia sim e outro também, é
sabotar o trabalho dos agentes de saúde no combate à
covid-19, atrapalhando ação dos governadores e
prefeitos, formando aglomerações e até criticando o uso
de máscaras.
Lá atrás, em sua fase mais cômica, aventurou-se na
charlatanice médica, receitando remédios que
liquidariam o coronavírus num abrir e fechar de olhos.
Hoje, parece-me inegável que ele é culpado por uma
parcela dos 260 mil óbitos já registrados, mas não
tenho, e penso que ninguém tem, como estimar a
quanto monta tal parcela. Cabe, portanto, a suposição
de que ele tem responsabilidade por certo número de
mortes, mas daí a designá-lo como genocida vai uma
longa distância.
Onde tem fumaça, tem fogo. A questão é séria e deve
ser debatida, mas sem partir de cara para o exagero.
Genocídio, como já sugeri, é uma coisa muito maior.
Briga de cachorro grande. Se nossa intenção é
compreendê-la e chegar a uma avaliação plausível do
papel de Jair Bolsonaro, é indispensável começar pelo
começo. Pelo conceito e por alguns exemplos
históricos.
O termo baseia-se em dois componentes fundamentais.
O primeiro, uma matança em larga escala, a intenção
de exterminar todo um povo ou toda uma etnia, não
necessariamente porque ela tenha feito alguma coisa,
mas pelo simples fato de que ela existe, extermínio a
ser conduzido com o máximo concebível de atrocidade.
Segundo, tal matança compõe-se de ações conscientes,
uma ordem premeditada e levada a cabo por um
governo, um partido ou um órgão qualquer que tenha
poder para tanto.
Historicamente, a ideia (mas não necessariamente o
termo) genocídio remonta à Revolução Francesa e,
especificamente, à guerra da Vendeia. Católica e
monarquista, uma parte dos habitantes daquela
província francesa reagiu violentamente à execução do
rei Luís XVI, em fevereiro de 1793. No transcurso de
dois anos, o confronto evoluiu para a guerra civil,
levando os comandantes militares da revolução (o
chamado Comitê de Salvação Pública, Robespierre à
frente) a recorrer indiscriminadamente ao terror. Esse é
o tempo das noyades (afogamentos coletivos,
principalmente de mulheres e crianças, no rio Loire). O
confisco de alimentos, a fim de sujeitar a população à
morte pela fome.
Nesse quadro de absoluta insanidade, o nome que logo
vem à mente é o de Jean-Baptiste Carrier, organizador