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Folha de S. Paulo/Nacional - Tendência e Debates
sábado, 6 de março de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas
do princípio da moralidade. Nesse contexto, como os
membros do Ministério Público e das advocacias
públicas podem, interpretando a Constituição, entender
que um ato produzido por um agente público viola um
princípio jurídico, esse agente sempre estará à mercê
de uma ação de improbidade.
Esse clima de terror deve cessar, pois impede a adoção
de soluções inovadoras e mesmo a possibilidade de o
administrador cometer erros ao procurar acertar.
Qual a solução adequada, perguntariam os leitores?
Aquela que qualificasse como improbidade o ato que
violasse um princípio cuja interpretação é incontroversa.
Mas isso é possível? Perfeitamente possível. Saibam
que, após modificações promovidas na Constituição e
em leis, o Supremo Tribunal Federal e o Superior
Tribunal de Justiça passaram a fixar "teses jurídicas"
cuja obediência, atendidos alguns ritos, deve ser
observada por todos os tribunais.
A fixação dessas "teses" não apenas contribui para
maior segurança jurídica, mas evita que o acesso ao
Judiciário se torne uma verdadeira loteria. Dessa forma,
o projeto de lei teria acertado se qualificasse como
ímprobo o ato que violasse um princípio cuja
interpretação está incontroversamente consolidada em
uma "tese jurídica" fixada por STF e STJ. Ainda
podemos pegar esse bonde da história.
Sim
Mudança não significa impunidade
Descrições dos crimes precisam ser mais objetivas,
evitando subjetividades
A Lei de Improbidade Administrativa foi editada há
quase 29 anos em meio às denúncias de corrupção que
envolviam o governo Collor. É uma lei importante, cujo
objetivo central é punir a desonestidade dos gestores
públicos, o enriquecimento ilícito e os danos ao
patrimônio público.
Entre 2009 e 2018, segundo o Conselho Nacional de
Justiça, houve 18,7 mil condenações transitadas em
julgado nos tribunais federais. Um volume expressivo
para os 5.570 municípios brasileiros. De acordo com
estatística da Confederação Nacional dos Municípios,
cerca de 50% dessas ações têm como origem os
comportamentos previstos no artigo 11 da lei: ação ou
omissão que viole os deveres de honestidade,
imparcialidade e lealdade às instituições. E a seguir
exemplifica alguns tipos de atos com essas
características.
Um artigo com redação tão abstrata e aberta, e com
exemplos de comportamentos irregulares, é perfeito
para o cometimento de inúmeras injustiças. Gestores
públicos, ordenadores de despesas, prefeitos e
governadores são acusados de improbidade por
promotores, procuradores ou advogados municipais por
supostas irregularidades que, na maior parte das vezes,
nada têm a ver com desonestidade ou com prejuízo ao
patrimônio público.
O resultado é a paralisia da administração pública, o
medo na tomada de decisões, o afastamento da vida
pública de inúmeras pessoas capacitadas, mas
receosas de colocar sua moral em jogo, arriscando seu
futuro e seus bens por conta de interpretações que
podem levar a processos que duram décadas.
A atual redação do artigo 11 possibilita a condenação
dos agentes públicos em inúmeras situações em que
não há dolo ou má-fé, perde o foco do combate à
corrupção e provoca o cometimento de injustiças. A
maioria dos processos não resulta em condenações,
mas o simples fato da sua abertura já condena
politicamente o gestor e o pune com bloqueio de bens.
É comum constatar que quase nenhum prefeito conclui
seu mandato sem sofrer um processo de improbidade.
A Lei de Improbidade Administrativa tem natureza
sancionatória, ou seja, visa punir aquele que pratica um
ilícito. Portanto, assim como é no direito penal, as
descrições dos crimes necessariamente precisam ser
mais objetivas, evitando margem para interpretações
subjetivas que possam ocasionar injustiças. Não há