Clipping Banco Central (2021-03-07)

(Antfer) #1
Banco Central do Brasil

Folha de S. Paulo/Nacional - Ilustríssima
domingo, 7 de março de 2021
Banco Central - Perfil 1 - COAF

articulavam nos bastidores não só para inviabilizar a
Lava Jato, mas também para minar a capacidade de
ação das agências anticorrupção do país.
De lá para cá, as disputas associadas à Lava Jato
continuaram, até culminar no simbólico fim da força-
tarefa do Ministério Público, que ocorre menos de dois
anos depois de o Supremo Tribunal Federal finalmente
deixar de oferecer apoio irrestrito à operação, quando
mudou seu entendimento sobre competência da Justiça
Eleitoral nos casos de crimes conexos, suspendeu a
criação da bilionária fundação projetada pela força-
tarefa e voltou a vedar o cumprimento da pena fixada na
condenação antes do trânsito em julgado, retirando um
forte incentivo à colaboração premiada.
O saldo atual dessa trajetória de disputas é claramente
desfavorável à Lava Jato, mas isso dificilmente vai
impedir que a operação deixe alguns legados.
O primeiro deles é a introdução da colaboração
premiada na cultura jurídica do país. Abstraídas
discussões normativas sobre essa modalidade de
justiça negocial, o fato é que a Lava Jato conseguiu dar
efetividade ao uso da delação, o que foi possível pela
conjugação de agilidade na tramitação dos
procedimentos criminais, divulgação de resultados
obtidos a partir das colaborações e supressão do
controle desses acordos pelos tribunais, ao prever
cláusulas que impedem sua discussão pelos
colaboradores.
A Lava Jato também deixa uma lição de aprendizado
institucional ao sistema de justiça criminal. Diversas
operações de combate à corrupção foram frustradas
pelo reconhecimento de nulidades praticadas na
tramitação dos procedimentos.
Reverter esse cenário implica reconhecer que menos
nulidades tem a ver com esmero do trabalho e respeito
às formalidades. Muitos desses vícios foram corrigidos
na Lava Jato, o que certamente é um dos fatores
explicativos do reduzido grau de sucesso das defesas
no questionamento de vícios processuais.
As conversas de membros da operação após ação de
hackers, no que ficou conhecido como Vaza Jato, traz
de volta o fantasma das nulidades e também mostra
que nem sempre é fácil para as defesas comprovar os
abusos do sistema de Justiça. Não há atalhos para
produzir julgamentos criminais definitivos e efetivos,


pois pressupõem dedicação e tramitação sem vícios
processuais e sem violação de direitos.
Fiá um terceiro legado que também entra na conta do
aprendizado institucional. A ampla divulgação da
operação fez dela um objeto de interesse coletivo, o que
agora leva à publicidade de seus abusos, expostos pela
divulgação da comunicação entre os membros da força-
tarefa.
Algumas práticas possivelmente são recorrentes, como
menosprezar os direitos da defesa e a confusão de
papéis entre órgãos acusador e julgador. As correções
que venham a ser feitas a partir dos abusos
identificados na Lava Jato serão válidas para todo o
sistema de justiça criminal ou ao menos servem como
recado dos tribunais aos operadores das instâncias
inferiores.
A divulgação de abusos que decorrem da amação em
zonas com ampla margem de discricionariedade e
sujeitas a pouco controle também há de produzir como
legado a institucionalização de alguns procedimentos,
como as comunicações informais nas cooperações
internacionais, agora flagrantemente expostas na Vaza
Jato. Sobre esse tema, é difícil não reconhecer um
quarto legado de aprendizado institucional: a Lava Jato
mostra que cooperação internacional é possível e pode
ser ágil.
O final simbólico e desalentador da Lava Jato também é
uma boa oportunidade para refletir a respeito do que
devemos aprender com sua trajetória e seus resultados.
Grandes operações criminais não podem ser a principal
ferramenta para atingir os objetivos que toda a
sociedade busca: desincentivar e reduzir a corrupção.
O controle criminal por natureza é seletivo,
característica que se acentuou na Lava Jato ao
concentrar reclusos estatais para atingir apenas parcela
dos grupos políticos (PT, PMDB e PP) e setores
econômicos afetados, quando a própria narrativa da
operação apontava corrupção sistêmica. Além disso, a
operação produziu de modo artificial uma capacidade
estatal que não é passível de reprodução em todo o
sistema de justiça criminal, até pela falta de regras que
padronizem suas atribuições.
Também deve ser destacado que não há evidências
empíricas de que grandes operações policiais produzam
efeitos gerais e duradouros de desincentivo à
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