Clipping Banco Central (2021-03-07)

(Antfer) #1

DORRIT HARAZIM - Medos múltiplos


Banco Central do Brasil

O Globo/Nacional - Opinião
domingo, 7 de março de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas

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No fundo, foram falas de poltrão. Cuspidas pelo
presidente da República em tom estudadamente
espontâneo esta semana, os disparates não precisam
ser repetidos aqui - já ofenderam o suficiente a nesga
de autoestima que ainda resiste no país. A necessidade
de recorrer a falas tão odientas sugere que Jair
Bolsonaro está com medo. Medo de que caia a casa
ostentação comprada pelo filho Flávio, medo de seu
pacto de morte com a Covid-19, medo de a rua
pressionar o Congresso, medo de chegar lanhado em
2022 ou de nem sequer chegar até lá. Agora está
prisioneiro do descaminho escolhido, que não tem volta:
por meio da retórica (e da política) sanhosa, procura
apenas manter a fidelidade de rebanho dos que o
elegeram.


Bolsonaro não foi o único a tratar a Covid-19 com
nonchalance suicida. De início, por interesse eleitoral ou
estupidez, uma parte do Brasil envergando paletó ou
farda, toga ou chinelo de dedo, também não quis ver o
tamanho do perigo. Quase sempre correndo atrás do
atraso e adotando políticas ciclotímicas de abre/fecha,
autoridades estaduais e municipais foram tateando.
Hoje 1.703 prefeitos aprendem a formar consórcios para


a compra de vacinas. O Congresso, que por um ano se
fingiu de adormecido, por fim acorda algo
sobressaltado.

Mas o grosso da responsabilidade, pelo imenso poder
de liderança, comunicação e recursos que o cargo lhe
dá, é do presidente da nação. Exatamente um ano
atrás, neste espaço se comentava o registro de 13
casos positivos de Covid-19 entre os 209 milhões de
brasileiros. O salto para os quase 11 milhões de casos
atuais, com mais de 264 mil vidas perdidas no caminho,
nasceu da cartilha manicomial de Jair Bolsonaro, e
nada, daqui para a frente, conseguirá apagar esse
rastro.

Nem mesmo o "Penguin Bookof Lies", trabalho
investigativo-literário sobre as várias formas de mentir
publicado em 1990 pelo britânico Philip Kerr,
conseguiría dar conta das artimanhas mentais do
presidente. Talvez nem Santo Agostinho soubesse fazê-
lo. O santo sustentava que "nem todo aquele que diz
falsida- des está mentindo se crê ou presume ser
verdadeiro o que diz...". Mas como saber se o capitão
sequer acredita nas sandices que professa?
Possivelmente não, são apenas escapes.

Joseph Goebbels sabia que mentia. Exercitava o ofício
da propaganda com total controle e convenceu os
alemães da receita nazista. Ronald Reagan, ao
contrário, realmente acreditava na "América" de John
Wayne e das ilustrações de Norman Rockwell.
Convenceu o eleitorado de que representava o país
onde sempre é possível enriquecer. Suas crenças eram
simples. Foi reeleito apesar de 138 membros de seu
governo terem sido investigados, indiciados ou
condenados por inúmeras encrencas.

Pensadores de calibre, como Hannah Arendt, já
ensinaram quanto esconder a verdade faz parte das
ferramentas necessá- rias e justificáveis não apenas
para políticos demagogos, como para estadistas de
verdade. Ademais, inexiste a política da autenticidade
pura, da sinceridade não contaminada. Nem deve
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