Clipping Banco Central (2021-03-07)

(Antfer) #1

A colisão do escavador com o arqueólogo. Ou cadê os Basils brasileiros?


Banco Central do Brasil

O Estado de S. Paulo/Nacional - Espaço Aberto
domingo, 7 de março de 2021
Cenário Político-Econômico - Colunistas

Clique aqui para abrir a imagem

Autor: Claudio de Moura Castro


No filme A Escavação(Netflix, 2021), um arqueólogo
com vasto pedigree acadêmico é desafiado por um
senhor que abandonou a escola aos 12 anos e
aprendeu com o pai a arte de desenterrar arqueologias.
Num roteiro muito próximo da realidade, os dois colidem
na empreitada de identificar e desenterrar um barco
funerário. Com a sua intuição, o seu conhecimento
técnico e a sua cultura histórica, o modesto Basil Brown
enfrenta o sofisticado acadêmico do British Museum.


Tudo começa quando uma senhora desconfia serem
sepulturas antigas algumas ondulações nas terras de
sua propriedade, em Sutton Hoo. Contrata, então, Basil
para a escavação. O valor histórico das peças
desenterradas atrai o museu local de Ipswich e o British
Museum, ensejando a rivalidade entre ele e os
arqueólogos acadêmicos.


Escolhi esse filme para ilustrar os diferentes caminhos
que levam à competência profissional. Na via


acadêmica, frequentam-se cursos. Em seguida, nos
programas sérios, passa-se à prática, sob a supervisão
de algum pesquisador respeitado.

Já o percurso dos práticos começa e amadurece na
experiência. A bagagem teórica tende a ser pouco
sistemática, mas não necessariamente menos
substancial. Vai sendo adquirida por conta própria,
quando isso acontece. No caso, Basil lê copiosamente
em vários idiomas, sorvendo conhecimentos de todos
os azimutes.

Ao longo dos últimos séculos, há uma deriva muito
clara, aumentando a proporção dos academicamente
formados. O escavador de Sutton Hoo provavelmente é
um dos derradeiros casos em que um arqueólogo
autodidata enfrenta com garbo uma vaca sagrada da
academia.

Nos dias de hoje, nas áreas tecnológicas, praticamente
todos vêm das boas universidades. Mas não era assim
no passado. No século 18, em Cremona, Antonius
Stradivari tinha de ser prático, pois nada havia além das
oficinas.

O caso mais paradigmático é a Revolução Industrial
inglesa. A maior transformação da História (rivalizando
com a sedentarização do homem) foi exclusivamente
feita por mecânicos práticos. A contribuição da ciência,
se havia, era aproveitada por eles, pois sabiam ler e
escrever. Os cientistas não se metiam no lado utilitário
dos seus assuntos. E a elite nada sabia de tecnologia,
velha ou nova.

Qualquer balconista de loja de ferragens sabe o que é
um parafuso de um quarto com rosca Whitworth. Mas
ele não saberá que esse é o nome de um mecânico de
Manchester que aperfeiçoou e padronizou roscas de
parafusos. E assim tantos outros, incluído H. Royce, um
mecânico que se associou a C. Rolls para construir
automóveis.
Free download pdf