Adega - Edição 185 (2021-03)

(Antfer) #1

Revista ADEGA - Ed.185 | (^15)
O instituto tem feito muitos
estudos sobre terroir...
Desde muito cedo, quando comecei
a trabalhar com o meu pai, tínhamos
estes flying winemakers, pessoas
que admiro muito, que vieram para
a Argentina e nos falaram para fazer
como era foi feito na Europa. Lá eles
faziam muita desfolha, mas aqui,
sem folhas, a uva se queima pela luz
da altitude. Disseram que tínhamos
que fazer com Malbec como faziam
com Cabernet Sauvignon, mas
deveríamos ter feito como Pinot
Noir. Malbec é uma cepa que tem
taninos muito suaves e um aroma
muito floral. Então, se você faz
macerações longas, perde os aromas
florais e não ganha nada com a
textura. Então percebi que tínhamos
que investigar nosso terroir para
tirar o melhor dele. Se quisermos
preservar o sabor de um lugar, só
os nativos podemos fazê-lo porque
o know-how não se transfere em
algumas coisas. Certamente nós na
Argentina sabemos mais sobre o
Malbec do que se sabe em qualquer
outro lugar do mundo.
Estudam-se também os processos
de vinificação, ou o foco é todo nos
solos e climas?
Este é o grande debate no mundo
do vinho, o tema do enólogo versus
terroir. Meu pai conta que, quando
ele estava com um produtor de
vinhos da Borgonha, perguntou:
‘Quem é o enólogo?’ Naquele
momento, um gato passou pela
adega e o produtor falou: ‘Doutor
Catena, esse gato é mais importante
do que o enólogo’”. A mensagem
desta história é que o terroir é
tudo, mas acho que também é
uma mensagem excessivamente
simplista. Se um mau enólogo
acrescenta muito carvalho a um
vinho, por exemplo, a experiência
se converte em comer madeira.
Então acho que o valor do enólogo
é entender o que esse lugar tem de
especial. ‘O que tenho que fazer para
destacar isso?’ E não fazer um vinho
com fórmulas. Há um fator humano
que importa para entender qual é o
sabor de cada parcela.
Um estudo recente do
instituto mostrou que é possível
detectar o terroir por meio
de análises químicas [veja nota na
seção Mundovino]?
Esse estudo é importante. Tínhamos
os componentes químicos de cada
local e eles eram tão reproduzíveis
que, mesmo com climas diferentes,
safras diferentes, se eu levasse uma
garrafa ao pesquisador sem falar
nada, na metade dos lugares, ele
podia dizer de onde era – que era da
parcela 9 do vinhedo Adrianna, por
exemplo, porque tem a impressão
digital desse lugar. E é importante
conhecer essa impressão digital
porque assim podemos preservá-la.
Para preservar algo, primeiro, você
tem que entender e, se você não
dedicar um tempo para entender,
não poderá preservar. No instituto,
60% do trabalho é tentarmos
entender o lugar, a variedade, e,
às vezes, não sabemos o porquê
das coisas, mas nos dedicamos a
entender como podemos preservar.
Entender o sabor faz com que
possamos preservá-lo.
Como escolher entre as pesquisas
que devem ser conduzidas e as
que devem ser abandonadas?
Quais as mais prementes?
O desafio para o Catena Institute é
primeiramente as catástrofes. Sou
médica intensivista e estou muito
ciente de que a primeira coisa que
você precisa fazer é se preocupar
com possíveis catástrofes. Por
exemplo, se um novo vírus surgir,
estudamos imediatamente, ou a
falta de água. Então, há um certo
número de projetos para preservar
a região, o vinho argentino. Quero
entender essas coisas porque, sem
elas, não tenho um negócio. Diria
O Malbec
mendocino, como
o Pinot Noir da
Borgonha, deveria
ser patrimônio da
humanidade.

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