Conhecimento Prático Língua Portuguesa e Literatura - Edição 77 (2019-06)

(Antfer) #1

CAPA/ Monteiro Lobato


34 | LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA


ENTRE SACIS E DOM QUIXOTE
Foi com fi guras do folclore que o taubateano
José Bento Renato Monteiro Lobato contribuiu
para a formação de leitores. Como contador de
histórias, Lobato rebusca os elementos popula-
res nas suas narrativas como forma de trans-
missão dos saberes ao público infantil através
das histórias em O Sítio do Pica Pau Amarelo.
Em um de seus livros, o Histórias de Tia
Nastácia, a boneca Emília explica a Pedrinho o
signifi cado da palavra “folclore”: “Dona Benta dis-
se que folk quer dizer gente, povo; e lore quer di-
zer sabedoria, ciência. Folclore são as coisas que
o povo sabe por boca, de um contar para o outro,
de pais a fi lhos – os contos, as histórias, as anedo-
tas, as superstições, as bobagens populares”.
Quando se fala no folclore brasileiro, a fi gu-
ra do Saci-Pererê é, sem dúvida, a maior lem-
brança. O Saci é um negrinho de uma perna
só, muito peralta, e que apronta travessuras o
tempo todo. Os primeiros registros de suas his-
tórias vêm dos negros na região Sul do Brasil
durante o período colonial, entre fi ns do século
XVIII e início do XIX.

Por conta da sua infl uência, tornou-se
personagem do Sítio..., em que as crendices e
superstições de Tia Nastácia, as histórias de
Barnabé e as maldades da Cuca enriquecem
o universo das suas histórias. Além do Saci,
Lobato coloca em evidência outros elemen-
tos do folclore nacional, como o Lobisomem, a
Mula sem Cabeça, o Boitatá, a Iara e o Curupira.
O Saci, aliás, é um caso à parte na obra lo-
batiana e inscreve-se em um tema que perten-
ce às raízes e ao patrimônio cultural do Brasil.
Sua função é, principalmente, contribuir
para a preservação da cultura brasileira. Ao
resgatar esse mito, Monteiro Lobato o cerca
de características brasileiras, utilizando não
apenas suas próprias pesquisas, mas os de-
poimentos que obteve por ocasião do inqué-
rito realizado através do jornal O Estado de
São Paulo, segundo a doutora em Literatura
MIRIAM STELLA BLONSKI^1. Ela conta que, “nesse
momento, preocupado com o nosso desenrai-
zamento cultural, resgata para o povo urbano
a sua consciência original, que se encontrava
enfraquecida em decorrência da grande infi l-
tração das ideias europeias”.







Monteiro Lobato tem importância ímpar
para a formação da literatura brasileira
infantil. Sua obra surge em um período
diverso da nossa cultura: na capital do
País, Rio de Janeiro, predominava a cul-
tura europeia e, no restante, os sertões,
isolados pela miséria e necessidades de
toda sorte.
Lobato nasceu em Taubaté, fez curso
de Direito em São Paulo, morou em vá-
rios lugares, tanto no Brasil quanto no
exterior. Os problemas sociais do Brasil
sempre foram sua preocupação, o que
refl etiu em sua trajetória, já que foi um
nacionalista convicto, intelectual mili-
tante e ardoroso defensor do progresso.
Sua obra, desde janeiro, é de domínio
público. Isso quer dizer que já não é


Reinações


para todos


preciso pagar direitos autorais para
publicar seus livros, porque em 2018
fez 70 anos que ele morreu. Em várias
matérias e entrevistas recentemente
publicadas, anuncia-se que os seus
textos deverão passar por verdadei-
ras e concretas “correções”. Isso para
que sejam consumidas pelas atuais e
futuras gerações leitoras, sem o pejo
do racismo que vem sendo imputa-
do a ele. Isso quer dizer que muitos
autores poderão reescrever sua obra
para que esta se torne politicamente
correta.
Não se trata de adaptação, caso
do Sítio do Picapau Amarelo para a
televisão, ou de transformá-las em
desenhos, histórias em quadrinhos ou
mesmo teatro. O que pode acontecer
é que qualquer autor poderá cortar,
modifi car, adaptar – e até mesmo
criar novos personagens – a partir dos

escritos de Lobato. Mudar falas já é
corriqueiro, como os destemperos de
Emília, principalmente em relação a
Tia Nastácia.
Marisa Lajolo defende a ideia de se
trabalhar com o Lobato original e, a
partir das suas histórias, discutir os
temas em sala de aula: “Lobato é um
pouco como todos nós, brasileiros. Ora
assumindo posições polêmicas, ora
se antecipando a seu tempo. Cresci
lendo seus livros e muito de minha
criatividade e liberdade de pensamen-
tos devo a seus textos, que levam à
refl exão, ultrapassam o limite tempo-
ral. Ele era um brasileiro sob medida”,
explica.
Há lançamentos previstos de várias
editoras. A Girassol Brasil Edições pu-
blicou recentemente Turma da Mônica


  • Narizinho Arrebitado, assinado, ao
    lado de Lobato, por Mauricio de Sousa,


O SÍTIO DO PICAPAU
AMARELO tem sido
adaptado diversas
vezes desde os anos
1950, para fi lmes e
séries de televisão,
sendo as produções da
Rede Globo de 1977-
1986 e 2001-2007 as
mais populares.

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