Conhecimento Prático Língua Portuguesa e Literatura - Edição 77 (2019-06)

(Antfer) #1
42 | LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA

DEBATE / Diversidade linguística indígena


UM POUCO DE HISTÓRIA, ALGUNS
MITOS E DESINFORMAÇÕES
A visão geral sobre os povos indígenas,
suas línguas e suas culturas em geral é restrita
e repleta de preconceitos e informações miti-
ficadas. Uma minimização generalista sobre o
índio no Brasil é a regra no ensino sobre a his-
tória e a cultura indígena.
Para confirmar essa afirmativa, basta pen-
sar a respeito do que nós aprendemos sobre os
índios, sobre o que a crença popular acredita
saber sobre essa questão. Qual língua falavam
os índios quando os portugueses chegaram
por aqui? Tupi-Guarani, responderá quase
a totalidade dos brasileiros, desconhecendo
que o termo “Tupi-Guarani” não define uma
língua, mas sim um tronco linguístico. O es-
tudioso Aryon Dall’Igna Rodrigues, citando o
linguista Mansur Guérios, introdutor dos no-
mes Proto-Tupi-Guarani, Proto-Tupi e Proto-
Guarani, ou Tupi-Guarani comum, na GLOTO-
LOGIA 2 americana, afirma que O Proto-Tupi-
Guarani ou Tupi-Guarani comum é a língua
que falava um tronco tribal que, vários séculos
antes da chegada de Colombo ao continente
americano, estava estabelecido na região que
fica entre os rios Paraná e Paraguai. Segundo
ele, é “um estado linguístico homogêneo ou
mais ou menos tal; é a primeira estratificação,
a qual comporta particularidades linguísticas
entrevistas antes da época histórica, antes dos
fracionamentos dialetais”.
E apenas para comparar, o idioma português
pertence à família latina de idiomas que, por
sua vez, pertence ao tronco linguístico indo-eu-
ropeu, ao qual também pertencem os idiomas
irlandês, bretão, russo, alemão, entre outros.
Mais um sinal evidente é a recorrência com
a qual crianças e até adultos referem-se ao ín-
dio (em trabalhos escolares, por exemplo) no
passado, dizendo: “os índios eram...”. Essa visão
distorcida é gerada evidentemente por uma
cultura em geral eurocêntrica e reforçada por
erros grosseiros em meios de divulgação, sites
“especializados” ou até mesmo em canais ofi-
ciais de informação.
Na realidade alguns dados não são simples
de serem coletados, haja vista que muitas po-
pulações indígenas são poliglotas, povos indí-

genas distribuem-se para além das fronteiras
oficiais entre países e, ainda, línguas catalo-
gadas como idiomas específicos podem ser na
verdade dialetos ou variações de um mesmo
idioma. Devido a questões como essas, depen-
dendo do levantamento, é possível verificar a
classificação de até 250 idiomas indígenas fa-
lados no Brasil.
Some-se a tais fatores o fato de que o últi-
mo senso data de 2010, ou seja, estamos traba-
lhando com dados oficiais de um decênio atrás
e, desde então, diversas políticas públicas de
proteção de bens culturais indígenas, como a
própria língua, vêm sendo desenvolvidas e im-
plementadas.
Outro mito muito difundido, e subliminar-
mente tido como verdade absoluta, é de que o
português tornou-se imediatamente a língua
mais falada no período colonial. Na verdade,
o Tupi foi amplamente falado até meados do
século XVII, principalmente ao longo do lito-
ral brasileiro, mesmo nas cidades, tendo sua
gramática documentada pelo padre José de
Anchieta, ainda que houvesse muitas dife-
renças entre o Tupi falado em localidades di-
ferentes, a ponto de muitos estudiosos classi-
ficarem a língua documentada por Anchieta
como sendo um idioma à parte, denominado
Tupinambá.
Mais à frente na linha do tempo, foi
desenvolvido o idioma Nheengatu, como
Língua Geral, tendo duas variações impor-
tantes, a língua do Sul e a língua do Norte.
Esta última, inclusive, foi a língua mais fala-
da no Norte do País até pouco antes do fim
do período imperial, e ainda é falada por
populações ribeirinhas. É curioso que o nú-
mero de falantes nativos do Nheengatu só
foi superado na região Norte devido a uma
migração em massa de nordestinos fugidos
da seca do ano 1877.
Felizmente, a questão indígena e suas cul-
turas vêm levantando cada vez mais interesse,
tanto nos meios acadêmicos como nos meios
leigos, abrindo uma janela importantíssima
para o reconhecimento das nossas raízes cul-
turais indígenas, tornando possível um conhe-
cimento mais amplo e profundo da nossa pró-
pria história.

2
GLOTOLOGIA
É o estudo científico de
uma língua; glossologia,
glótica, linguística.

Free download pdf