Conhecimento Prático Língua Portuguesa e Literatura - Edição 77 (2019-06)

(Antfer) #1
LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURA | 55

arte, era a relação da poesia e da arte com o
consumidor de arte e poesia.
Passou-se, mais do que nunca, a dar impor-
tância ao recurso, ao instrumento, à palavra, e
menos valor à realidade que a palavra julgava
representar. Essa foi a grande reforma artís-
tica, então. E fi cou combinado que palavra e
realidade poderiam estar confl itando no jogo
de interesses dos versos, quando, antes, o que
se pensava era que havia uma harmonização,
um selo de confi ança entre a palavra literária
e o mundo. Os românticos e os pós-românticos
defl agraram essa inquietude. Não, diziam, o
belo pode ser aquilo que, no mundo dito real, é
o horrível; e a literatura está mais para saudar
a agonia e a explosão dos valores do que a sua
consonância e fi delidade ao estatuído.
Daí para cima só conhecemos agressões
mútuas: a palavra agride a realidade (AS FLO-
RES PASSAM A SER DO MAL) 3 ; o autor agride o leitor
(dando-lhe um piparote no nariz, por demons-
trar desprezo pelo seu consumidor); e, no limi-
te desse processo, chegando aos dias de hoje,
o sonoro palavrão invade o texto da literatura
(vá tomar no...!). É que a modernidade, ao mes-
mo tempo que foi enobrecedora, altiva e elitis-
ta — alardeando que a arte era para quem a
podia entender —, foi igualmente propulsora
da agressividade e da repulsa de ambos os la-
dos: indo do leitor contra o autor, este contra
aquele, o texto no meio, ora menos, ora mais.

“Passou-se, mais do que


nunca, a dar importância


ao recurso, ao
instrumento, à palavra, e

menos valor à realidade


que a palavra julgava


representar. Essa foi a


grande reforma artística”


© BRAT_PIKACHU / ISTOCKPHOTO.COM

CP-LPT77_54-58_INTERPRETACAO_vs2.indd 55 29/05/2019 12:15

Free download pdf