Conhecimento Prático Língua Portuguesa e Literatura - Edição 77 (2019-06)

(Antfer) #1

PONTO DE VISTA / Comunidade Leitora


2 índice de interesse pela leitura. Infelizmente,
até entre professores já é possível verifi car
esse fenômeno. O principal motivo alegado é
o pouco tempo disponível, entretanto, se ques-
tionarmos a quantidade de horas gastas sema-
nalmente “maratonando” séries, veremos que o
fator tempo não é uma boa desculpa.
Quanto ao hábito, cada vez mais uma pes-
soa que lê muito é tida como alguém “inteli-
gente”, porém pode parecer “nerd”, com uma
conotação negativa. Recentemente ouvi de um
professor que não importa quantos livros se
lê, pois o importante é uma leitura com quali-
dade. Achei interessante o julgamento de que
talvez livros inteiros não contenham qualida-
de ou que seja melhor ler textos e artigos sobre
livros. Mais à frente tratarei dessa questão.
Se tempo não é problema, acredito que
acesso também não o é. Afi nal, as bibliotecas
estão implorando por leitores, e os “livros di-
gitais” borbulham à vontade na internet, para
desespero dos editores. Bem, estou desconsi-
derando aqui as diferenças entre livro fí sico e
livro digital, para os fi ns deste texto.
Se tempo e disponibilidade não são proble-
mas, acredito e reforço que o grande problema
é cultural. Como disse antes, ao indivíduo leitor
foi indexado uma pecha de “inteligente”, “culto”
e, no caso de adolescentes, infelizmente, essa
não é uma posição tão desejada hoje em dia.
Pode não ser bonito afi rmar isso, mas observan-
do-se uma sala de aula, tanto em escolas públi-
cas como em escolas privadas, ser o mais inte-
ligente da turma não é mais o grande objetivo.
Pelo contrário, deparamo-nos muitas vezes com
alunos que “entregam” menos do que poderiam,
com receio de fi carem deslocados na turma.

Outro fator mais técnico, que envolve o
hábito, é a questão do processamento dos da-
dos lidos. Sabemos que a leitura de um texto
difere da leitura de quadrinhos. Na primeira
modalidade, o leitor é livre para imaginar o ce-
nário lido, no segundo ele já é induzido ao ce-
nário sugerido. Como nosso acesso aos vídeos ,
infográfi cos ou animações é cada vez maior,
estamos condicionando nossos cérebros a re-
ceber informações já formatadas em diversas
dimensões, fi cando a leitura condicionada a
um processo enfadonho e entediante, em que
o cérebro deve realizar um esforço sobrenatu-
ral para a manutenção do foco.
Bem, o problema está posto, mas para que
realmente precisamos ler? E mais, para que ler
exatamente livros, se temos vídeos fantásti-
cos para absorvermos muito conhecimento de
uma forma “mais prazerosa”?

PARA QUÊ?
A fl uência na leitura é uma habilidade im-
portantíssima a ser desenvolvida por diversos
motivos, apesar de ser verdade que podemos
obter conhecimento através de outras plata-
formas. Não apenas porque está prevista na
BNCC, não apenas para perpetuar o conhe-
cimento construído pela humanidade, mas
porque, como disse o mestre Monteiro Lobato,
“Quem mal lê, mal ouve, mal fala, mal vê”. E
essa assertiva não está desatualizada.
Quem bem lê, bem escreve, já que erros or-
tográfi cos são menos frequentes entre bons
leitores. A leitura reforça a “imagem” das pa-
lavras. Sabe aquele sentimento de que “essa
palavra está estranha”? Pois é, o seu cérebro re-
gistrou uma imagem e agora está em confl ito,
avisando-o que algo parece não conferir com
um registro anterior. Mérito da leitura.
No mesmo sentido, quem bem lê tem o seu
vocabulário ampliado. Mais do que uma leitura
passiva, quando estimulamos uma leitura envol-
vida com o texto, quando entramos no texto, nos
fundimos à etimologia das palavras, a ponto de
entendermos palavras que talvez nunca tenha-
mos ouvido. Essa habilidade parece estar quase
desaparecendo. Deduzir o signifi cado a partir do
sufi xo ou prefi xo é algo que pode ser profunda-
mente desenvolvido através da leitura.

MAIÊUTICA
SOCRÁTICA
Tem como signifi cado
“dar à luz”, “dar
parto”, “parir” o
conhecimento.
Sócrates desenvolveu
um método próprio
de análise fi losófi ca.
A maiêutica socrática
consiste em fazer
perguntas e analisar
as respostas de
maneira sucessiva
até chegar à verdade
ou contradição
do enunciado.
Ela estimula o
pensamento a partir
daquilo que não
conhecem, ou seja,
pela ignorância. Daí a
sua famosa frase: “eu
só sei que nada sei”.
Essa técnica pode se
tornar pedagógica,
por exemplo: um
professor faz uma
série de perguntas
não apresentando
as respostas
diretamente,
resultando em uma
consciência mais
profunda dos limites
do conhecimento
estabelecida a
partir da busca das
respostas para as
questões problemas.
Assim, através de
questionamento,
a mente consegue
encontrar, em si
mesma, a verdade.

“Não apenas porque está prevista
na BNCC, não apenas para perpetuar
o conhecimento construído pela
humanidade, mas porque, como disse
o mestre Monteiro Lobato, ‘Quem mal
lê, mal ouve, mal fala, mal vê’”

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