Banco Central do Brasil
Revista Carta Capital/Nacional - Seu País
quinta-feira, 11 de março de 2021
Banco Central - Perfil 2 - Reforma Administrativa
deixou em segundo plano o fortalecimento da
independência e aperfeiçoamento do mecanismo de
escolha dos reitores. “A autonomia das universidades
nunca foi plena”, avalia Anderson Ribeiro, reitor eleito e
não empossado na Universidade Federal da Fronteira
Sul.
A ofensiva do “Escola Sem Partido”, apoiado por
Bolsonaro, sustenta, no entanto, essa nova, violenta e
inédita investida contra a liberdade de pensamento. Os
primeiros sinais, diga-se, surgiram ainda no governo
tampão de Michel Temer, quando o diretor do curso de
Direito da Universidade Federal Fluminense foi
ameaçado de prisão por manter, no prédio da
instituição, uma faixa contra os esbirros autoritários de
então. Os dizeres, censurados a mando judicial,
inspiraram outras universidades, mas os extremistas em
ascensão se sentiram estimulados a arrancar as faixas
com as próprias mãos, como ocorreu na Unirio.
O clima de linchamento abriu as portas para o projeto
de desmonte de Bolsonaro. Seu primeiro ministro da
Educação, Ricardo Vélez, disse que “universidade para
todos não existe” e quis impor censura à prova do
Enem, usado no ingresso no ensino superior. Abraham
Weintraub, seu sucessor, lançou o Future-se, que
pretendia transformar as universidades em balcões de
negócios. Na sequência, um arbitrário
contingenciamento de verbas motivou protestos
massivos e acabou revertido. A resposta de Bolsonaro?
“São uns idiotas úteis, uns imbecis.” Neste ano, os
recursos programados para as universidades são 25%
menores em relação a 2015, segundo o Sindicato
Nacional dos Docentes. Como no passado recente,
provavelmente faltará dinheiro para pagar até a conta
de energia.
Mas há um componente que torna a escalada mais
perigosa: as intervenções. Com FHC, uma tentativa de
impor um reitor em 1998 provocou a reação firme de
professores e alunos da Universidade Federal do Rio de
Janeiro. A resistência não é mais a mesma. Bolsonaro
meteu o dedo em 15 indicações para o comando de
universidades e centros técnicos em dois anos, informa
a União Nacional dos Estudantes. Segundo a entidade,
o ex-capitão ignorou mais de 30% das listas tríplices
enviadas. Um movimento de reitores, eleitos pela
maioria da comunidade acadêmica, mas não
empossados, inclui 20 nomes. Um dos casos ocorreu na
UFPel, mas a comunidade driblou o ministério e deu o
título simbólico a dois reitores. Voltamos, então, à
censura do professor Hallal. “Jamais flertaremos com a
possibilidade de um interventor na nossa universidade”,
disse, em 7 de janeiro. “O presidente jamais terá
sossego. (...) O senhor é desprezível.”
A decisão de Hallal em assinar um termo de conduta é
vista com receio. O professor diz que “escolheu” se
submeter ao acordo, o que levou ao arquivamento do
processo, apesar de a CGU ter imposto uma mordaça.
Outra opção era deixar o processo correr e se sujeitar a
uma punição. “O conteúdo do termo ameaça o coletivo”,
diz Regina Ávila, secretária-geral da Andes, o sindicato
dos docentes. “Se o ajuste de conduta é não poder mais
se manifestar criticamente ao governo, é um termo para
todos aqueles que estão no exercício da docência.”
Marcelo Nerling, professor de Direito na USP, concorda
e avalia que Hallal reconheceu como legal um
instrumento de censura. “O que está em jogo é a
liberdade de expressão. Ele assinou um termo no qual
abre mão de um direito inalienável”, opina. Hallal rebate:
“Foi uma escolha não nos defendermos por meio do
processo, poderia ser custoso e não havia razão de ser.
O precedente é o processo em si, e não a assinatura do
TAC”. Outros três professores ouvidos por CartaCapital
apontam o uso inconstitucional do TAC, mas dizem que
Hallal tem o direito em assiná-lo.
A perseguição segue firme, denuncia o sindicato dos
professores. Boa parte dos alvejados reclama de
transferência indevida para outros locais. Alguns sofrem
ameaças pelo conteúdo em sala de aula. A Andes
percebeu aumento de reclamações desde que o
governo anunciou um canal de denúncias sobre
professores que atentam contra a “moral” e a “religião”.