Banco Central do Brasil
Revista Carta Capital/Nacional - Nosso Mundo
quinta-feira, 11 de março de 2021
Banco Central - Perfil 1 - Banco Central
Na era de supremacia global, os mercados cuidaram de
difundir as “ilusões necessárias” do jogo estratégico
entre os atores privados e o Banco Central na busca
incessante da “construção da confiança”. Sob a
aparência da ciência e da técnica, o “jogo da confiança”
supõe a definição de regras de gestão da “riqueza
coletivizada” e da moeda de crédito. Na era da Grande
Moderação que antecedeu o desastre de 2008,
inebriados pelo excesso de confiança, os mercados de
riqueza mergulharam nos abismos da incerteza. Foram
resgatados pelos Bancos Centrais.
À revelia dos critérios da política democrática, o
salvamento cumpriu exclusivamente a agenda dos
protagonistas que cuidam da circulação e da avaliação
da riqueza mobiliária global. O discurso econômico em
voga pretende mascarar sua natureza política. Tenta
explicar ao cidadão que é inteiramente fora de propósito
entender os segredos que envolvem a administração da
moeda e das finanças. O consenso dominante garante
que, se não for assim, sua vida pode piorar ainda mais.
A formação desse consenso é, em si mesmo, um
método eficaz de bloquear o imaginário social.
Não é, portanto, pacífica a convivência entre o mundo
da finança – constituído pelas instituições, regras e
procedimentos relacionados com a avaliação da riqueza
- e a política democrática, entendida como o âmbito por
excelência da escolha humana, da busca da autonomia.
Em seu novo livro, System, o ex-secretário do Trabalho
Robert Reich investiga as relações entre o poder e a
riqueza. Para compreender a natureza do poder, diz
Reich, é preciso entender o papel da riqueza. “No
sistema que temos agora, poder e riqueza são
inseparáveis. Grande riqueza flui de grande poder,
grande poder depende de grande riqueza. Riqueza e
poder tornaram-se um e o mesmo. Não pretendo que
essas realidades subjacentes tornem as pessoas mais
cínicas ou resignadas. Muito ao contrário, o primeiro
passo para mudar o sistema é entendê-lo. Se não
podemos compreender, ficamos presos a falsidades
convencionais e falsas escolhas, incapazes de imaginar
novas possibilidades. Compreender o sistema como ele
é vai nos capacitar a mudá-lo para melhor.”
Em uma economia monetária capitalista, os poderes da
finança não são fortuitos, mas decorrem da
conformação estrutural desse sistema de produção. Os
mercados financeiros desmentem os supostos que
guiavam os economistas clássicos em suas
considerações a respeito das relações entre
propriedade privada, liberdade individual e eficiência na
alocação de recursos. O comando dos mercados
financeiros no capitalismo contemporâneo atesta que a
propriedade privada foi “coletivizada” para cumprir os
desígnios da concorrência entre os possuidores e
controladores do dinheiro.
Isso ocorre, paradoxalmente, para que esse sistema de
produção possa realizar os critérios privados de
apropriação da renda e de valorização da riqueza. Sob
o domínio dos mercados financeiros, o capital assume
uma forma social nos marcos da propriedade privada. É
a superação da propriedade particular no interior do
regime capitalista de produção, a “coletivização”
capitalista. Curiosamente, essa coletivização e
concentração da propriedade pelas forças da finança
aproximam o capitalismo das formas feudais de
apropriação da riqueza, ao transformar seus
proprietários em senhores tão poderosos quanto
ociosos.
Na sociedade de massa contemporânea, esse domínio
não poderia se efetivar sem os préstimos da linguagem
midiática. Na mídia impressa e na eletrônica, as
reportagens de negócios e economia disseminam os
significantes dos mercados financeiros embuçados na
linguagem do saber técnico. Os comunicadores “falam”
a língua articulada conforme as regras gramaticais dos
mercados. Assim, o capitalismo investido em sua
roupagem financeira cumpre a missão de “administrar” a
constelação de significantes à procura de significados,
submetendo os cidadãos-espectadores aos infortúnios
da domesticação e da homogeneização decretados pelo
“coletivismo de mercado”.