NÍGER,UMPAÍSÀBEIRADAMUDANÇA 89
coisa para lá de dormir? É como alguém nos mor-
der e dizer para não chorarmos.”
NUM DIA DE DEZEMBRO PASSADO, os habitantes da
aldeia de Goofat, a uma hora de automóvel de Aga-
dez, reuniram-se. Um grupo composto por tuare-
gues semi-sedentários, em grande parte
muçulmanos, preparava-se para eleger um chefe
pela primeira vez. O acontecimento foi meticulo-
samente festejado, de acordo com uma rotina rigo-
rosa. Matou-se uma vaca e um grupo interpretou
Cercado como está por cinco das maiores incuba-
doras de grupos extremistas islâmicos do conti-
nente (Argélia e Líbia a norte, Mali a oeste, Chade
a leste e Nigéria a sul), o Níger é mais pobre do que
os restantes, mas, pelo menos por agora, é tam-
bém o mais pacífi co. Como nos disse cortesmen-
te o embaixador dos EUA no país, Eric Whitaker:
“O Níger é um bom país com má vizinhança.”
A preservação da distância de segurança re-
lativamente ao perigo é uma missão difícil. No
entanto, uma vez que o país tem o estatuto de
“agentedecisivonosesforçosregionaisdecom-
bateaoterrorismoe promoçãodaestabilidade”
(segundooDepartamentodeEstadodosEUA),
pareceter-seconsolidadoentrealgumaspotên-
ciasocidentais oseguinteentendimento:Seo
Nígerseperder– o únicopaís,noseu“bairropro-
blemático”quenãosetransformounumcaldei-
rãodeviolênciae deactividadedosextremistas
- cessamaspossibilidadesdereformanaregião.
Essaé a razãopelaqualumabaseaéreaestava
a serconstruídapelaForçaAéreadosEUAnosar-
redoresdeAgadezdurantea minhavisita.Issoex-
plicatambémqueasforçasdeoperaçõesespeciais
tenhamparticipadoemmissõesantiterroristasno
Níger– umadasquais,emOutubrode2017,causou
a mortedequatrosoldadosnorte-americanos,qua-
trosoldadosnigerinoseumintérpretenigerino,
numaemboscadapreparadapormilitantesislami-
tas.Eisa razãopelaquala ajudaexternarepresenta
40 porcentodoorçamentodoNíger.Eistambéma
razãopelaqualo Patrão,enquantodistribuiafrica-
nospelosquatrocantosdomundo,contribuià sua
maneiraparadoxalparamanterunidaumaregião
quepoderiafacilmentedesagregar-se.
Certa manhã, o Patrão visitou-me no hotel
emAgadez.Instalou-seconfortavelmentenuma
cadeiradopátio,deóculosescurose turbante,
palitonaboca,reflectindoemvozaltaenquanto
escutavaumprogramaderádiofrancêsnoseu
telefone.Porfim,acaboupormurmurar:“ACo-
munidadeEuropeiabloqueoutudo.Oturismo,a
migração,asminas.Podefazer-semaisqualquer
cançõesfolclóricas.Asmulheres,derostostingidos
deamarelo,colocaramjóiasdeouro,enquantoper-
maneciamsentadasdepernascruzadassobretape-
tes.Oshomensusaramturbantesgarridose as
melhorestúnicas.Uma um,cadarepresentantedas
cercade 270 famíliasdaaldeia(emmuitoscasos,
umamulher)foichamadopeloúltimonomepara
preencherumboletimdevoto,a favoroucontrao
únicocandidato,lançando-onumcaixotedeplás-
tico.
Passadasquaseduashorasdevotaçãoe con-
tagemdosvotos,o vencedor,pormaioriaesma-
gadora, foi um homem esguiode meia-idade
dafamíliaKourouza,quedeuordeiramenteum
passoemfrente,ocupouo seulugarnumacadei-
racomumsemblantecompenetrado,enquanto
osanciãosdaaldeiaenvolviamsolenementea
suacabeçacomumturbanteroxo.
Sobapompadacerimónia,contudo,oculta-
va-seumarealidadeinquietante:asfamíliasele-
geramMohamedKourouzacomochefeporque
decidiramqueGoofatcrescerademasiadopara
continuaraexistirsemgoverno.Osbebése as
criançaspequenas ultrapassavam, de longe,o
númerodeadultos.Apopulaçãodestaaldeiaru-
ral,comcercade2.300habitantes,praticamente
duplicaraem menosdevinteanos. Commais
crianças,surgeanecessidade demais escolas,
maisserviçossociaise maisterritórioparapas-
tagens.Surgeentãoo potencialparamaisconfli-
tos.Empontopequeno,a históriadeGoofaté um
alertaparao Níger.
ÉUMPAÍSATRAVESSADOPORGENTEEMFUGAENÃOUMPAÍSDOQUALSEFOGE.
PELADESERTIFICAÇÃO EPORUMSISTEMA POLÍTICOINSTÁVEL,
EMBORA O NÍGER SEJA UM PAÍS AFLIGIDO PELA POBREZA,
não é uma incubadora de violência.
(Continua na pg. 94)