National Geographic Portugal - Edição 220 (2019-07)

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dade das fronteiras africanas suscitou preocupa-
ções quanto à disseminação do terrorismo, tanto
mais que os esforços liderados pelos EUA no Afe-
ganistão, contra a al-Qaeda, e no Iraque, contra
o ISIS, tinham forçado esses grupos a procurar
refúgios mais hospitaleiros.
Depois de a União Europeia oferecer incentivos,
o governo do Níger criminalizou em 2015 o trans-
porte de migrantes. Em Agadez, a polícia confis-
cou grandes quantidades de carrinhas de caixa
aberta. Os angariadores e os motoristas foram
detidos, juntamente com o Patrão, que passou três
semanas na prisão. A maior fonte de receita da ci-
dade foi oficialmente ilegalizada, empurrando a
economia de Agadez para o mercado negro.
Apesar da repressão movida contra o tráfico
de seres humanos, a localização de Agadez as-
segura que a cidade continua a ser um ponto de
trânsito para os viajantes estrangeiros. Hoje, tem
um novo tipo de hóspede. Conhecida como Base
Aérea 201, trata-se de uma instalação militar per-
tencente ao Estado nigerino, mas arrendada aos
EUA e habitada por cerca de 550 funcionários da
Força Aérea norte-americana. Dificilmente se
pode afirmar que a sua existência seja um segre-
do, mas os ocupantes norte-americanos são uma
presença discreta. Aparecem em Agadez para
reconstruir uma escola ou numa aldeia vizinha
para construir um poço de água, mas permane-
cem na base durante a maior parte do tempo.
Quando a visitei em Dezembro, engenheiros
militares construíam afanosamente uma pista
de aterragem com um quilómetro e meio de ex-
tensão capaz de suportar condições desérticas.
Aeronaves C-17 e C-130 servir-se-ão da pista, junta-
mente com veículos aéreos não tripulados MQ-9,
equipados com armamento que permitirá ata-
ques cirúrgicos contra grupos extremistas, bem
como iniciativas de vigilância.
Estas operações alargar-se-ão para lá da região
de Agadez, entrando na “má vizinhança” que
gerou os grupos extremistas. “O inimigo explo-
ra estas fronteiras permeáveis a tempo inteiro”,
afirmou Samantha Reho, porta-voz do Comando
Africano dos EUA, responsável pela supervisão
do papel militar norte-americano no Níger.
A missão antiterrorista acarreta riscos eviden-
tes, comprovados pela emboscada de Outubro
de 2017, mas a presença das forças armadas dos
EUA não é um gesto de benevolência para com
o estrangeiro. Segundo o Departamento de Esta-
do, “a assistência estrangeira dos EUA ao Níger
cumpre um papel decisivo na preservação da

Mesmo atendendo aos padrões de um con-
tinente em dificuldades, a situação do Níger é
grave, ilustrada por duas estatísticas alarmantes:
o PIB per capita é aproximadamente mil dóla-
res, um dos mais baixos do mundo, e a taxa de
fertilidade regista sete nascimentos por mulher,
a mais elevada. Os dados demográficos não são
suficientes para explicar a situação precária do
Níger. País continental desértico, tem enfrenta-
do secas terríveis, prevendo-se que as alterações
climáticas possam agravá-las. A pobreza e a fra-
gilidade ambiental, por sua vez, têm exacerbado
a instabilidade política.
Desde que se tornou independente de França,
em 1960, o Níger sofreu quatro golpes de estado
militares, o último dos quais em 2010. Nos últi-
mos 30 anos, também enfrentou duas rebeliões
sangrentas dos tuaregues. A mais recente, extin-
ta há uma década, deixou cicatrizes duradouras
na maior das oito regiões do Níger: Agadez. Até
então, a cidade de Agadez funcionara como porta
de entrada para o Saara, chegando a receber 20
mil turistas por ano, muitos dos quais em voos
directos provenientes de Paris. Os três anos de
escaramuças violentas entre os rebeldes e o exér-
cito do Níger eclipsaram a actividade económica
predominante. A indústria turística começou a
considerar Agadez como zone rouge.
Esse vazio foi preenchido pelo Patrão e por
outras pessoas envolvidas no negócio da deslo-
cação de migrantes. Devido à posição geográfica
da cidade, Agadez (nome derivado da palavra
tuaregue egdez ou “visitar”) fora durante séculos
um ponto de passagem para as caravanas de sal
e outros comerciantes nómadas que viajavam de
camelo. Enquanto entreposto dos migrantes afri-
canos, Agadez encontrava-se bem situada e, para
o efeito, bem equipada com antigos guias turísti-
cos e motoristas.
“Chegavam a passar por aqui trezentos mil
migrantes por ano”, recordou o presidente da câ-
mara da cidade, Rhissa Feltou. “Motoristas, ho-
téis, mercados, bancos, operadoras telefónicas...
A cidade beneficiava.”
Em 2011, o fluxo de migrantes transformou-se
numa torrente, depois de a deposição do líder lí-
bio, Muammar Kadhafi, ter rompido a fronteira
do Níger com a Líbia. A partir de então, o tráfego
rumo a sul passou a incluir armas desviadas dos
arsenais do governo líbio. O fluxo migratório mal
controlado exerceu mais pressão sobre os recur-
sos sociais nos países europeus, gerando vagas
humanitárias no deserto e no mar. A permeabili-

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