National Geographic Portugal - Edição 220 (2019-07)

(Antfer) #1
NÍGER,UMPAÍSÀBEIRADAMUDANÇA 95

De vez em quando, o solo estremece, acompa-
nhado por um estrondo abafado e conclusivo:
dinamite. É a maneira mais efi ciente de escavar,
embora perigosa e, por esse motivo, ilegal. De
todo o modo, muitos destes homens (senão mes-
mo a maioria) já está a trabalhar aqui sem qual-
quer licença emitida pelo Estado.
Em redor, estende-se aquilo a que podería-
mos chamar cidade de tendas, com a diferença
de que estas tendas foram rasgadas pelo vento
e transformadas em tiras esvoaçando sobre os

estabilidade, num país vulnerável à volatilidade
política, ao terrorismo e à disseminação do extre-
mismo violento, da insegurança alimentar e da
instabilidade regional”.
A cidade de Agadez propriamente dita não
tem sido mencionada nas recentes avaliações
de ameaça realizadas pelos serviços de infor-
mação, segundo um funcionário da Defesa dos
EUA. Contudo, a presença de uma base militar e
a distância de Agadez relativamente às zonas de
fronteira só permite proteger a cidade durante

umtempolimitado.Asconversasnointeriordas
casasdeadobereflectemumdescontentamento
crescente.Homensjovensvêemqueassuasop-
çõesestãoquaseesgotadas.Frequentarama es-
cola,procuraramtrabalho,cumpriramasregras.
Com poucos empregos disponíveis, encontra-
ramumlugarnonegóciodeextorsãodoPatrão.
Quandoviramosamigospresose ascarrinhas
confiscadas,retiraram-sedecena.E agoraaguar-
damporqualquersoluçãoquepossaaparecer.
Entretanto, ouviram falarde outros jovens
querecrutavamfuncionários.“Precisasdedi-
nheiroparatecasares?Nóspagamos.”Vídeos
deYouTubee mensagensdeWhatsAppdogru-
pojihadistaBokoHaramcirculamporaqui.
Certanoite,duranteumfada–umareunião
informaldejovensnigerinos,em tornodechá
quente e jogos de cartas– umindivíduo em-
preendedorqueoutrorativeraumbomestilode
vida,importandocarrinhasdecaixaaberta,ago-
rapoucoprocuradas,ergueuosolhosdojogoe
reflectiusobrea suavida.
“Ascoisasnãopodemcontinuarassim”,disse
comcalma.“Istovaitransformar-senumaselva.”

NAFRONTEIRAMERIDIONALDOSAARA,estáem
cursoumacorridaaoourooeste-africano.Milhares
dehomensatacamumterritóriodearbustose cas-
calho.Algunsbrandempicaretase usampás.
Outrosdispõemdemartelospneumáticos.Outros
nãopossuemquaisquerferramentas:apenas
pedrasparasoltara terraà mão.

mineirosquedormemsobreo solo.Estepovoa-
dochama-seAmzeguere nemsequerexistiahá
cercadecincoanos.
Numadaquelascontradiçõesafricanasinfe-
lizmentefamiliares,o Nígeré ricoemrecursos
mineraise o quintomaiorprodutormundialde
urânio,emboraseposicioneemúltimolugarno
ÍndicedeDesenvolvimentoHumanodaONU.
Assuastrêsmaioresminassãoconsórcioscom
multinacionaisfrancesase aquedaacentuada
dopreçodourânioprovocouodespedimento
detrabalhadoresnigerinos.
Em2017,o governoencerroua maiorzonade
mineraçãodoouro,noplanaltodeDjado,a norte,
aparentementedevidoa actividadesterroristas,
masporventurajustificadopelachegadademi-
neirosestrangeiros,vindosdoChade,doSudão
e daLíbia.Muitosmineirosnigerinosencontra-
vam-seagoraaqui,juntamentecomoutrosho-
mensdeAgadez,desesperadosparagarantirum
mododevidaquaserazoável.
“Setenhoesperança?”,perguntaumhomem
de 46 anoschamadoJamal,quedeseguidareti-
rao lenço,descobrindoo rostocobertodeareia.
“Olheparaa minhabarba.Estáa esbranquiçar
detantoesperar...”
Jamal ergue-se sobre uma colina com bu-
racos profundos. “Escavámos até 53 metros
deprofundidadeedepoisencontrámoságua”,
explica.“Agoraprecisamosdeextraí-la.Existia
umasóbomba,quetodospartilhávamos,mas
avariou-se.”

ISTOVAITRANSFORMARSENUMA SELVA.”

IMPORTADAS,AGORAPOUCO PROCURADAS,DIZ:

“As coisas não podem continuar assim.


UM JOVEM QUE OUTRORA POSSUÍA CARRINHAS DE CAIXA ABERTA

(Continua na pg. 100)

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