National Geographic Portugal - Edição 220 (2019-07)

(Antfer) #1
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A


inda faltam algumas horas para a alvo-
rada. O autocarro percorre um trajecto
solitário, cruzando longos quilómetros
de estepe isolada no Sul do Cazaquistão, e os faróis
iluminam momentaneamente um gigantesco
mural de cores esbatidas ou mosaicos de peças
quebradas. Estas obras de arte estilizadas mos-
tram os efeitos destruidores de verões escaldantes
e invernos agrestes. Adornam enormes edifícios
abandonados, entregues à ferrugem, e celebram
velhas glórias do programa espacial de uma nação
que já não existe: a União Soviética.
Por fi m, o autocarro vira subitamente, entran-
do por um portão, e chega a uma estrutura enor-
me e danifi cada que, defi nitivamente, não está
abandonada. Agentes de segurança russos e caza-
ques com uniformes de camufl ado parecem cer-
car o espaço, banhado pela luz dos holofotes. No
interior deste hangar, encontra-se um foguetão
novinho em folha.
Viajei até ao Cosmódromo de Baikonur porque,
a poucos dias do 50.º aniversário da alunagem,
este é o único sítio do planeta onde posso assistir
ao lançamento de um ser humano para o espaço.
Por outro lado, o único ponto do universo onde
estas pessoas se podem dirigir, voando, é a Esta-
ção Espacial Internacional, a cerca de quatrocen-
tos quilómetros da Terra, cerca de um milésimo
da distância que nos separa da Lua.
Nos últimos oito anos, desde que a NASA refor-
mou o seu vaivém espacial, a única forma de um
astronauta norte-americano ser transportado até
ao espaço tem sido à boleia da versão russa do vai-
vém, conhecida como Roscosmos: uma viagem
de ida e volta custa cerca de 72 milhões de euros.
Cinquenta anos depois de pousarmos na Lua, é
neste ponto que nos encontramos em matéria de
espaço – e por “nós” queremos dizer os seres hu-
manos. No essencial, parece que não fomos a lugar
nenhum, pelo menos a avaliar pelas grandes ex-
pectativas de 1969. Doze pessoas já pisaram a Lua,
mas nenhuma desde 1972. No entanto, se fi zermos
a avaliação de outra maneira, estamos seguramen-
te a realizar façanhas extraordinárias no espaço.
Enviámos sondas não tripuladas para explorar
todos os outros planetas do nosso Sistema Solar,
captando imagens extraordinárias e obtendo
uma imensidão de dados. As duas sondas Voya-
ger atravessaram o Sistema Solar e saíram para o
espaço interestelar. Foram os primeiros objectos
fabricados pelo homem a fazê-lo. Encontram-se
agora a mais de 17 mil milhões de quilómetros e
ainda comunicam connosco.


Como as Voyager conseguem viajar para sem-
pre no vazio e tanto o Sol como a Terra têm prazo
de validade, é possível que, um dia, estes eternos
viajantes do tamanho de um automóvel familiar
sejam a única prova de que algum dia existimos.
No entanto, é igualmente possível que, por essa
altura, uma espécie sucessora da nossa já se tenha
tornado interestelar, com sorte atribuindo-nos al-
gum crédito pelo seu feito.
Se o fi zerem, poderão perfeitamente indicar
este momento entre o fi m da década de 2010 e
o início da década de 2020 como a “mudança de
infl exão”, expressão usada por Jim Keravala, um
físico que supervisiona lançamentos de satélites
em foguetões russos, europeus e norte-america-
nos para caracterizar o frenesi de actividade ac-
tualmente registado na indústria espacial com
fi ns comerciais.
Segundo Jim Keravala, vivemos a alvorada “do
verdadeiro início da era da colonização espacial e
do futuro da humanidade fora do mundo”. Esta
intrigante previsão é discutível, em parte porque
a velha máxima da indústria (“o espaço é difícil”)
corresponde efectivamente à verdade: os contra-
tempos e os atrasos afectam quase sempre a mar-
cha rumo ao progresso.
No entanto, ninguém pode negar que algo im-
portante está prestes a acontecer. Duas empresas
norte-americanas, a SpaceX e a Boeing, estão
prestes a obter certifi cação para os seus modelos
de nave espacial, ou seja, “à beira de lançar as-
tronautas norte-americanos, em foguetes norte-
-americanos, a partir de solo norte-americano”,
segundo as palavras de Jim Bridenstine, adminis-
trador da NASA. Estas naves estão para os módu-
los das missões Apollo como um Boeing 787 está
para uma aeronave com motores de propulsão da
década de 1950. Poderão realizar missões tripula-
das no fi nal deste ano ou no início do próximo.
Entretanto, naves espaciais construídas para
duas outras empresas privadas, a Virgin Galactic
e a Blue Origin, também fi zeram grandes avanços,
aproximando-nos ainda mais de uma nova era de
turismo espacial. Para começar, lançarão clientes
ricos a cerca de 90 a 100 quilómetros de altitu-
de, quase na fronteira do espaço sideral, onde os
clientes terão experiências de gravidade zero e ve-
rão o vazio escuro do universo e a curvatura azul
da Terra. Tudo isto está ao alcance por cerca de
177 mil euros, embora as duas empresas afi rmem
que os preços baixarão rapidamente e as opções
aumentarão à medida que forem desenvolvidos
mais foguetões.
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