National Geographic Portugal - Edição 220 (2019-07)

(Antfer) #1
ALUA 43

Grande parte da


engenharia aeroespacial


é alimentada pela


concorrência feroz entre


bilionários cujas ambições


não são científicas. As suas


naves espaciais visam


sobretudo ganhar dinheiro.


altitude, quando uma avaria no sensor provocou
a separação da cápsula da tripulação do foguete
e dos propulsores. O astronauta Nick Hague, da
NASA, e o cosmonauta russo Alexey Ovchinin
impediram uma catástrofe, realizando uma
aterragem de emergência.
“A tripulação teve sorte”, explicou a tenente-
-coronel do exército Anne McClain, veterana da
guerra do Iraque e piloto de helicóptero, numa
conferência de imprensa transmitida pela NA-
SA-TV. “Mas todas as tripulações que conse-
guem alcançar a órbita sabem que tiveram sor-
te. O voo espacial não é fácil.”
Anne McClain sabe o que diz: é astronauta da
NASA e integra a tripulação do foguetão a cujo
lançamento vim assistir no Cosmódromo.
A Roscosmos já explicou que o problema foi
resolvido e que o lançamento do Soyuz não so-
frerá qualquer problema. Por trás de uma parede
envidraçada numa zona especial de quarentena,
Anne McClain e os outros dois tripulantes parti-
lham essa convicção, exprimindo-se em inglês,
russo e francês. Todos se mostram optimistas.
Como é habitual nestas ocasiões, um sacerdote
da igreja ortodoxa russa abençoa a tripulação
e a nave com água benta em duas cerimónias
breves, mas solenes. Abençoa também os jor-
nalistas, um pormenor que me toca particular-
mente, nestes tempos de ataques implacáveis à
imprensa livre.
Em Baikonur, os jornalistas assistem ao lan-
çamento a uma distância de 1,5 quilómetros,
significativamente mais perto do que no cabo
Canaveral, onde são mantidos a cerca de cin-
co quilómetros. É um espectáculo fascinante e


profundo: a enorme explosão de chamas cor de
laranja na base do foguetão associada à ignição,
o rugido do motor, o solo a tremer. A sensação
de deslumbramento é intensificada pelo facto de
saber que, na ponta da nave, três seres humanos
como eu estão a acreditar que tudo vai correr
bem enquanto são disparados para o céu.
O número de seres humanos que vivem no
espaço está prestes a duplicar: de três para seis.
Em menos de três semanas, as três pessoas já
presentes na estação espacial regressarão a casa
e o efectivo humano existente fora da atmosfera
terrestre descerá de novo para três. E os restan-
tes 7.600 milhões? Ainda estamos presos à Terra.

E


m breve, porém, os Estados Unidos po-
derão dispor não de uma, mas de duas
alternativas de fabrico nacional para
transporte de seres humanos e carga até ao es-
paço, acabando finalmente com a dependência
da NASA relativamente aos foguetões russos
Soyuz. Essas naves espaciais são um primeiro
passo no sentido de missões de muito maior al-
cance: à Lua, aos asteróides e até a Marte.
Assim, poucos meses depois da experiência
surpreendentemente tocante, diria mesmo mís-
tica, de assistir ao lançamento do Soyuz, dou por
mim cerca de 50 metros acima do solo num glo-
rioso dia de céu azul na Florida, com o Atlântico
a reluzir a quase um quilómetro de distância.
Estou na Estação da Força Aérea de Cabo Ca-
naveral, no topo do Complexo de Lançamento
Espacial 41. Este complexo, cuja história remon-
ta a 1965, quando começou a lançar foguetões
Titan para o programa espacial que precedeu o
Apollo, irá um dia lançar a cápsula CST-100 Star-
liner, da Boeing, que transportará um máximo
de cinco passageiros de cada vez até à Estação
Espacial Internacional.
Ao sair do elevador, reparo na presença de
quatro tirolesas paralelas que vão até ao solo,
mesmo ao lado do complexo de lançamento.
“Um astronauta não quer, de todo, descer por
ali”, diz Tony Taliancich, director e gestor de
operações de lançamento da ULA, um consórcio
entre a Boeing e a Lockheed Martin. Fisicamen-
te imponente, mas sempre a sorrir enquanto me
conduz numa visita guiada, Tony explica que
estas tirolesas com 400 metros de comprimen-
to são uma componente essencial do sistema
de fuga, caso uma explosão, um incêndio ou ou-
tra emergência de última hora imponha o aban-
dono da nave.
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