National Geographic Portugal - Edição 220 (2019-07)

(Antfer) #1
46 NATIONALGEOGRAPHIC

AsduasfabulosassondasVoyagerlançadasem
1977 e propulsionadasporminúsculosgeradores
deenergianuclearaindaestãoa transmitirdados,
enviadosporumradiotransmissorquegastatanta
energiacomoumalâmpadacomum.Emitemum
sinalténue,masaquinaTerraconseguimos“ou-
vir”o queasVoyagertêmparadizerporquede-
senvolvemos antenas suficientemente sensíveis
paracaptaro sinal.
Os seres humanosnão conseguiriam realizar
estaviagem.Coma nossanecessidadedeatmos-
fera,alimentose água,deprotecçãocontraa radia-
çãocósmicae aserupçõessolares,paranãomen-
cionardeestímulo,impõe-sea pergunta:porque
haveremosdeviajar?Porquehaveremosdeviajar
quandonãohápraticamentenadaqueumasonda
robóticanãofaçadeformamaiseficaz,maisrápi-
da,maisbaratae maisseguradoqueumserhuma-
no?Enfrentemosa realidade:damineraçãodeas-
teróidesà fotografiadeoutrosplanetas,assondas
nãotripuladassãomaisadequadasparaa tarefa.


A


inda assim, suscita-se uma questão: é ou
não importante sermos nós a explorar?
Nenhuma viagem não tripulada conse-
guirá despertar a emoção, o suspense ou o espanto
pelo momento em que um homem deixou a pri-
meira pegada sobre a nossa Lua ou de uma mu-
lher vir um dia a fazer o mesmo em Marte. Se os
membros da espécie humana se sentem compeli-
dos a escalar o Evereste ou a empreender a difícil
viagem até aos pólos, será que não acalentamos
um desejo inevitável de ir até Marte e mais além?
Como se sabe... é isso que nós fazemos.
“Existe uma verdade fundamental na nossa
natureza: o homem precisa de explorar”, disse o
comandante da Apollo 15, David R. Scott, numa
comunicação por rádio em 1971 dirigida ao con-
trolo terrestre, instalado em Houston, a partir da
sua localização, junto de Hadley Rille, um vale na
Lua. “E isto é exploração no seu melhor.”
Existe também a questão daquilo a que alguns
futuristas chamam “uma apólice de seguro” para
a sobrevivência da espécie – aquilo que outros
chamam o Plano B caso a Terra se torne inabitável.
Isso poderá acontecer devido a forças que esca-
pam ao nosso controlo, como o asteróide que pa-
rece ter aniquilado os dinossauros ou se a nossa
própria loucura conduzir a uma guerra nuclear ou
uma disfunção drástica do clima.
Temos andado preocupados com o Plano A e
isso é bom por ele ser, de longe, o nosso melhor
plano e talvez o único. Nas palavras do activista


ambiental Bill McKibben, o sítio menos acolhe-
dor da Terra continua a ser mais acolhedor para
a vida humana do que qualquer outro lugar al-
cançável que já tenhamos encontrado.
A grande ironia da primeira era espacial foi o
facto de as suas imagens mais icónicas não se-
rem as da Lua ou de outros planetas, mas do nos-
so próprio planeta. O “nascer da Terra”, o nosso
globo azul de aspecto sereno envolto em nuvens
rodopiantes sobre o horizonte da Lua é a mais
famosa de todas. Estas fotografias galvanizaram
o movimento ambiental, estimularam a apro-
vação de novas leis para limpar a nossa água e a
nossa atmosfera e incentivaram muitos a fazer
uma simples pergunta: “Não deveríamos estar a
gastar todo esse dinheiro para resolver os nossos
próprios problemas em primeiro lugar?”
“Todo esse dinheiro” refere-se ao programa
espacial, que em alguns anos consumiu 4,5% do
orçamento federal. O orçamento actual da NASA
é de 0,5%. O transporte de homens e mulheres
até Marte no passado teria facilmente custado
isso e portanto parece que fizemos bem em não
tentar fazê-lo até à data.
Entramos agora na segunda era espacial, na qual
inovações incessantes como foguetões reutilizáveis
estão a reduzir os custos das viagens. Será, segura-
mente, menos caro chegar a Marte daqui a duas ou
três décadas do que é hoje, e definitivamente, do
que teria sido na década de 1980. É um bom negó-
cio, apesar de as pessoas que viram Neil Armstrong
levantar poeira lunar com a bota nunca terem so-
nhando que demorasse tanto tempo.
Quanto mais tempo? Ninguém sabe.
Um acidente ou tragédia com gravidade, em
qualquer aventura espacial, tende a atrasar o pro-
jecto, por vezes durante muitos anos. Dificilmente
se pode considerar que o financiamento seja ilimi-
tado: de momento, por exemplo, os planos para a
exploração mineira de asteróides estagnaram um
pouco. Pode existir no espaço muito para ganhar
com a extracção de minerais raros, mas... e se for
necessária uma fortuna para desenvolver a tecno-
logia indispensável à sua descoberta? Será de mais
para apostar na vitória do nosso unicórnio.
Por fim, o espaço tem um lado sombrio e não é
apenas a escuridão descrita pelos astronautas que
a viram. Com os Estados Unidos, a China e a Rússia
a desenvolverem armamento espacial (para efei-
tos defensivos, insistem), poderemos dar por nós
a travar uma guerra espacial no futuro, lançando
mísseis, destruindo satélites e testando armas po-
tentes em alvos terrestres, incluindo pessoas.
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