National Geographic Portugal - Edição 220 (2019-07)

(Antfer) #1
54 NATIONALGEOGRAPHIC

Pelo dedo, vê-se o gigante. Pelo mais ínfimo


pormenor, apreende-se uma cidade.


TEXTO DE GONÇALO PEREIRA ROSA E HUGO MARQUES


FOTOGRAFIAS DE HUGO MARQUES


Chegaram a servir de abrigo para pessoas e curral
para animais, protegidos do calor e do frio durante
gerações pela arte dos engenheiros romanos. De-
sentulhados nas grandes intervenções da década
de 1930, a sua articulação com a cidade só foi devi-
damente estabelecida nos anos 1970, pois a estru-
tura ficava fora da muralha da Antiguidade Tar-
dia. O restante anfiteatro está ainda soterrado, co-
lonizado por árvores de fruto, ervas e silvas. Até ao
dia em que seja possível escavar e conservar este
edifício, resta usar a imaginação e, aos poucos, as
figueiras e cerejeiras vão desaparecendo da pai-
sagem, o latido dos cães esbate-se, o solo argiloso
vai dando lugar à areia e, na nossa mente, começa
lentamente a emergir um anfiteatro romano.

O

VIAJANTE GASPAR BARREIROS escreveu
em 1561 no livro “Chorogragia”: “Acham-se
ainda hoje no dito lugar de Condeixa
muros, aquedutos, sepulturas, pedras
escritas de letras romanas em que está o
nome de Conímbriga (...)” Numa curiosa
viagem de Coimbra a Roma, Barreiros usou os
velhos itinerários romanos como mapa. Durante
séculos, desde o abandono de Conímbriga, muitos
eruditos tinham tomado a cidade referida nas cróni-
cas clássicas como Coimbra, a Aeminium dos roma-
nos. Barreiros mediu distâncias e intuiu que as
ruínas que avistou deveriam corresponder à antiga
Conímbriga abandonada, pilhada e sobretudo
esquecida.

Com a segurança de quem sabe os terrenos que
pisa, José Ruivo, director do Museu Monográfico
de Conímbriga (MMC), caminha por um pomar.
Mede as distâncias por referências discretas no
terreno até parar num ponto específico. Satisfeito,
anuncia: “Estamos provavelmente no que teria
sido o centro do anfiteatro.” É uma afirmação es-
tranha face ao contexto que nos rodeia e que a es-
magadora maioria dos visitantes das ruínas nunca
conhece. Na cidade antiga de Conímbriga, porém,
nos últimos 120 anos frases como esta passaram
a fazer sentido: Conímbriga não é só a área já es-
cavada e restaurada. Como um icebergue, há um
sétimo da área total à vista. O resto permanece sob
a superfície, aguardando melhores dias.
Da fase de maior monumentalidade da vida da
cidade, conhecem-se muitos dos edifícios princi-
pais. O Fórum foi amplamente escavado e é hoje
um dos ex-líbris das ruínas. As termas testemu-
nham também a sofisticação desta pequena ci-
dade de província. As casas dos mais abastados
proprietários (a Casa de Cantaber e a Casa dos
Repuxos) sinalizam ao visitante a falsa percepção
de opulência – real no mundo romano, sim, mas
à disposição de uma escassa percentagem da po-
pulação. O arqueólogo Virgílio Hipólito-Correia,
especialista deste território, costuma brincar:
“Muitos visitantes vêem os mosaicos e suspiram:
‘Como seria bom morar no mundo romano!’ Cos-
tumo contrapor e dizer: ‘Sim... Se fizesse parte da
fatia de 3% dos privilegiados.’”
Em contraponto face aos espaços arqueológi-
cos que os cerca de cem mil visitantes anuais das
ruínas conhecem, os três arcos do anfiteatro, em
plena Condeixa-a-Velha, constituem uma expe-
riência mais íntima com o mundo que os gerou.

No topo, uma espada germânica dos séculos VI
ou VII. Na década de 1950, uma equipa italiana
visitou Conímbriga para colaborar no restauro dos
mosaicos (em cima, na página seguinte). Em baixo,
o peristilo e o ninfeu da Casa de Cantaber.
Free download pdf