National Geographic Portugal - Edição 220 (2019-07)

(Antfer) #1
CONÍMBRIGA 59

Letras da Universidade de Coimbra, coordenou
os trabalhos, incentivados por um factor... ex-
terno. O Congresso Mundial de Arqueologia e
Pré-História de 1930 teria lugar em Coimbra e a
Universidade desejava ardentemente mostrar
aos congressistas um espaço arqueológico capaz
de rivalizar com Pompeia e Óstia, então os prin-
cipais motivos de entusiasmo na arqueologia eu-
ropeia. A Faculdade adquiriu uma parcela de ter-
reno (ainda hoje conhecida como o “terreno da
Faculdade de Letras”) e, apesar dos atritos entre
as competências da Universidade e as da Direc-
ção-Geral de Edifícios e Monumentos Nacionais
(DGEMN), Vergílio Correia dispôs por fi m de um
campo de trabalho.
Entre 1930 e 1944, ano da morte acidental do
coordenador dos trabalhos, Conímbriga viveu a
primeira fase de actividade arqueológica intensa.
“As escavações foram muito inspiradas no que se
estava a fazer em Pompeia”, diz Virgílio Hipólito-
-Correia. “Planearam escavar toda a cidade até ao
limite da muralha. Cometeram alguns atropelos


  • ainda hoje, temos muitos materiais recolhidos
    nesse período sobre os quais pouco mais sabemos
    para além da circunstância de terem sido encontra-
    dos em Conímbriga. Nas Termas do Sul, ainda nos
    anos 50/60, limitaram-se a desentulhar sem méto-
    do, sem relatórios, nem perfi s estratigráfi cos.”


“Do ponto de vista de conservação, Gaspar Bar-
reiros foi um pioneiro”, acrescenta Pedro Sales,
conservador-restaurador do MMC. “Ele aponta
claramente no século XVI o problema da espolia-
ção das pedras antigas e deixa explícito um pedido
ao rei para que reúna as inscrições romanas dis-
persas pela paisagem.”
Passaram séculos e “Conímbriga não deveria
ser mais do que uma zona de passeio para erudi-
tos, implantada numa zona rural”, diz Hipólito-
-Correia. Em 1838, Alexandre Herculano, na revista
“Panorama”, faz eco igualmente das “gastas ruínas
da Collimbria, Conimbrica ou Conimbriga dos ro-
manos”. Ocasionalmente, o sacho de um agricul-
tor esbarrava em tijolos, mosaicos ou pedras. Na
segunda metade do século XIX, o antiquarismo, já
activo em Itália, faz-se sentir também na zona de
Condeixa. Algumas campanhas dispersas recupe-
ram artefactos. Reutilizam-se materiais nobres.
Em 1899, precisamente há 120 anos, o bispo
de Coimbra Dom Manuel Correia de Bastos Pina
persuade a rainha Dona Amélia a fi nanciar a pri-
meira escavação ofi cial em Conímbriga. “Fize-
ram valas de sondagem dispersas, como então se
fazia, e retiraram alguns mosaicos”, conta José
Ruivo. “Mandaram também pintar uma bonita
aguarela com o sítio e os pontos intervenciona-
dos, mostrando ao público o que se tinha feito.”
A investigação prossegue assim, aos solavancos e
ao sabor do dinheiro disponível.
Avançamos no tempo. Em 1906, um artigo na
revista “Ilustração Portuguesa” dá conta do drama
de um lavrador a quem o seu terreno não dá tré-
guas. “A seara fi cava raquítica e o fruto enfezado”,
queixava-se. Decidido a esclarecer o assunto, deci-
diu cavar. Encontrou tijolos com abundância e por
fi m uma camada espessa de pedra. Interpretou-a
como “argamassa do tempo dos mouros – era ela
a ladra” do seu terreno. Continuando a escavar,
o lavrador encontrou sepulturas. Numa delas,
estava uma garrafi nha de vidro. Condeixa-a-Ve-
lha acudiu em peso ao local. “Deram-me cabo da
seara. Remexeram os ossos, deram cabo de tudo.
Salvou-se a garrafi nha. Os quatro mil réis de perda
são para entretenimento dos arqueólogos: é bom
que saibam o que têm a pagar.”
Episódios burlescos como este foram comuns
e documentam também a relação por vezes tu-
multuosa entre a população local e a comuni-
dade científi ca. Em 1911, realizou-se mais uma
campanha curta de escavações, mas a verdadei-
ra oportunidade chegaria duas décadas depois.
Vergílio Correia, arqueólogo da Faculdade de


Durante muitos anos, o espólio mais tardio, corres-
pondente ao início da Idade Média, confundiu
os investigadores. Este colar foi encontrado num
nível correspondente à ocupação sueva, muito
depois do colapso do Império Romano.
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