National Geographic Portugal - Edição 220 (2019-07)

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Ao abrirem um sector destinado ao parque de
estacionamento das ruínas, os operários identifi-
caram a Casa dos Repuxos. No “Diário de Coim-
bra”, Vergílio Correia anunciava as suas ideias.
Algumas eram pitorescas, outras vingaram. “Foi
ele que determinou que os mosaicos deveriam
permanecer in situ em vez de serem transferidos
e também foi o primeiro a propor a criação de um
museu nas ruínas”, diz o arqueólogo.
A morte inesperada do coordenador das esca-
vações interrompeu os trabalhos. Em 1952, uma
equipa italiana visitou Conímbriga, a convite do
director do Museu Nacional de Arqueologia, para
iniciar o restauro dos mosaicos. Entre o grupo de
entusiastas das ruínas, estava João Manuel Bairrão
Oleiro, docente da Universidade de Coimbra, mas
a colaboração com a DGEMN não ficou isenta de
conflitos. Em 1962, Bairrão Oleiro, transferiu-se
da Universidade para o recém-criado Museu Mo-
nográfico (situação a que não foi alheia a primei-
ra crise estudantil de 1961). A missão da sua vida,
identificada desde os tempos de estudante, tinha
encontrado o local certo para o seu exercício.
Um ano depois, num congresso, conhece Ro-
bert Etienne, da Universidade de Bordéus. Juntos,
os dois homens vão programar uma campanha de
trabalhos arqueológicos sem paralelos no país. As
escavações luso-francesas duram até 1971, con-
tando com a direcção da parte portuguesa por
Jorge de Alarcão, e modificam o conhecimento
da cidade e a prática da arqueologia em Portugal.
A obsessão com a conservação, o registo e a quali-
dade da publicação, marcam uma geração. A área
conhecida da cidade multiplica-se. Identificam-
-se os monumentos principais da fase de apogeu
da urbe. Conímbriga, cidade provincial vagamen-
te enunciada por Plínio, entra no mapa europeu
das cidades romanas.


N

A FASE IMPERIAL, CONÍMBRIGA tem particu-
laridades que a tornam um curioso estudo
de caso no mundo romano. Arqueólogos
como Virgílio Hipólito-Correia e José Ruivo,
que trabalham nas ruínas há mais de duas
décadas, descrevem o contraste entre esta
cidade e as restantes que se conhecem na Península
Ibérica. “Não tem uma malha regular como Ammaia,
nem segue os planos de Vitrúvio”, diz Hipólito-Cor-
reia. “O cadastro de Conímbriga é o pré-romano. Isso
significa que, quando os romanos aqui chegaram, não
se registou uma expropriação e reordenamento radical
do território. A estrutura de propriedade ter-se-á man-
tido, assim sugerem as inscrições que nos chegaram


e que continuam a mostrar uma cidade essencial-
mente indígena com uma pequena percentagem de
colonos e administradores romanos. Pensamos que a
cidade adaptou-se ao modo romano, adoptando o
latim, a maneira de vestir e técnicas de construção,
mas mantendo a mesma estrutura indígena.”
As ideias feitas de legiões romanas irrompen-
do pelo território e reordenando o perfil étnico
da cidade não fazem sentido numa cidade pro-
vincial no extremo ocidental do império. “É mais
provável que apenas um punhado de administra-
dores e altas patentes viesse de fora”, acrescenta
José Ruivo. “Será afinal tão diferente do modelo
de administração que Portugal levou para as suas
colónias africanas no século XX?”
Tão importante como a arquitectura monumen-
tal é a arquitectura doméstica e a gestão do espaço
público. No final do século I, regista-se uma fase de
grande investimento e é provável que até existis-
sem dois fóruns. No período flaviano, a cidade foi
verdadeiramente um município. O Fórum trans-
formou-se num santuário de culto imperial. Ha-
veria então cerca de cinco mil almas na urbe. “De-
veriam existir outros templos espalhados pela ci-
dade, tal como hoje qualquer vila tem mais do que
uma igreja. Temos referência de um culto a Marte
Neto, divindade indígena. Quem sabe se um dia
não encontramos esse templo na vasta área resi-
dencial ainda por escavar?”, diz Hipólito-Correia.
O sistema de canalizações de chumbo perdu-
rou até aos nossos dias. A cidade dispôs também
de um bom sistema de evacuação de resíduos.
“Não encontramos lixeiras do século I ou do sé-
culo II, o que significa que existiria uma solução
prática para escoar os resíduos. Em contraparti-
da, no século IV, temos a cidade repleta de lixei-
ras. Qualquer canto servia para abrirem um bu-
raco e verem-se livres do lixo – é o melhor indício
de que então o espaço urbano está a degradar-
-se.” Na fase correspondente ao final do Império
Romano, algumas casas alargam e passam por
cima de ruas. O governo da cidade desagrega-se.

I

MPRESSIONADO COM AS CASAS SENHORIAIS
e com a grandeza do Fórum, o visitante perde
a perspectiva mais importante de Conímbriga.
Existiram sete ocupações diferentes deste ter-
ritório e a cidade romana corresponde apenas
a um quarto do tempo de vida – um período
rico, marcado por uma monumentalidade que
resiste melhor à passagem do tempo, mas que durou
apenas cerca de cinco dos vinte séculos em que o
coração da cidade pulsou.
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