National Geographic Portugal - Edição 220 (2019-07)

(Antfer) #1
62 NATIONAL GEOGRAPHIC

Quantas Conimbrigas, afinal, existem? A res-
posta foi variando com o tempo. Hoje sabe-se que
existiu certamente um povoado do Bronze Final.
Há depois um povoado da Idade do Ferro, identi-
ficado nas escavações de 1911, e certamente muito
importante, mas ainda mal conhecido. Testemu-
nha uma fase durante a qual o território benefi-
ciou do acesso fácil ao Mondego e ao interior para
escoar minérios e receber produtos importados do
Oriente distante. O topónimo Conimbriga terá sur-
gido na transição entre estes dois momentos.
A Conímbriga romana é inquestionável, pro-
vavelmente dividida em duas fases – uma de
apogeu e expansão e outra de declínio progressi-
vo. O verdadeiro ponto de discórdia ideológico e
programático ocorreu no debate sobre o abando-
no da cidade – teria ocorrido com a transferência
da sede do bispado da cidade para Coimbra, em
meados do século VI, como sugere o “Parochiale
Suevicum”, documento que regista o número de
paróquias pertencentes a cada diocese? Ou teria
permanecido durante mais séculos?
Robert Etienne chegara a Portugal pouco depois
de publicar a sua tese sobre o culto imperial nas
províncias ibéricas, defendendo a premissa de que
as cidades hispânicas teriam sido municipalizadas
à época Flávia. O interesse do eminente arqueó-
logo francês e dos seus discípulos foca-se quase
exclusivamente no período imperial. Mesmo nas
publicações tardias, as camadas estratigráficas
correspondentes a períodos posteriores ao roma-
no são designadas por “camadas bárbaras” e pouco
valorizadas no pensamento histórico sobre a cida-
de. Por maioria de razão, a informação sobre estas
fases é pouco valorizada nas publicações.
Na década de 1990, as campanhas arqueoló-
gicas revelaram informação complementar. Vá-
rios materiais cerâmicos tidos como romanos
foram reavaliados como medievais. As datações
de carbono 14 revelaram uma ocupação mais
duradoura do que o século V, a data até então
apontada como a do provável abandono. “Hoje
é seguro falar-se de uma Conimbriga suévico-
-visigótica e não restam dúvidas de que, mesmo
após a invasão muçulmana de 711, a cidade (ou o
que dela restava!) continuou a ser ocupada”, diz
José Ruivo. “Só as convulsões entre cristãos e
muçulmanos nos séculos IX e X, altura em que a
fronteira entre as duas civilizações oscilou para
norte e sul do Mondego, com conflitos militares
regulares, terá ditado o abandono.” Na “Crónica
Albeldense”, refere-se que Afonso III das Astú-
rias reconquista Coimbra, erma a região e refor-


ça Coimbra e Viseu. Terá sido esse o momento,
em pleno século IX, em que o coração de Coním-
briga deixou de bater.
Em termos de cultura material, a fase pós-ro-
mana é uma das mais bem representadas. O acer-
vo documenta aliás uma transição menos violen-
ta do que a historiografia romântica idealizara.
Naturalmente, as invasões suevas de 465 e 468
contribuíram para reestruturar a elite de poder
na cidade, mas tudo indica que a vida prosseguiu.
A decadência das instituições urbanas também
não se deve necessariamente às hordas bárba-
ras. Em meados do século V, as elites já teriam
abandonado o espaço urbano, trocando-o pelo
conforto e segurança das suas villae campestres.
Os edifícios públicos estariam desactivados desde
o século V ou VI.

O conservador-restaura-
dor Pedro Sales no
depósito do Museu
Monográfico de
Conímbriga procede ao
inventário de uma ânfora
romana. A conservação
é com frequência
entendida como a
fase escondida após
o entusiasmo da
escavação, mas exige
investimento e cada
material tem um tempo
de vida. “Aproximamo-
-nos do fim de vida útil
de muitos materiais de
conservação aplicados
nas ruínas”, diz Sales.
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